Durante aproximadamente 250 anos, as pessoas de todas as camadas da sociedade foram convencidas de que uma grande conspiração de bruxas ameaçava suas vidas. Acreditava-se que, em todo lugar, havia indivíduos mal-intencionados a serviço do Diabo e devotados à queda do cristianismo: desde os estábulos até os aposentos reais.
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Seria bom pensar que a história
real da caça às bruxas do início da Idade Moderna na Europa foi toda contada em
A História da Magia, de Bathilda Bagshot. Neste livro, Harry lê que as
bruxas e magos que foram queimados na fogueira não sentiam dor — um simples encantamento fazia as
chamas causarem apenas uma suave sensação de cócegas. Mas a gentil senhora
Bagshot não fala da morte de milhares de homens e mulheres comuns que foram
falsamente acusados de bruxaria e que não possuíam poderes mágicos para
protegê-los. Infelizmente, essas foram as verdadeiras vítimas da histérica caça
às bruxas que tomou conta da maior parte da Europa de meados do século XV até o
final do século XVII.
Durante aproximadamente 250 anos, as
pessoas de todas as camadas da sociedade foram convencidas de que uma grande
conspiração
de bruxas ameaçava suas vidas. Acreditava-se que, em todo lugar, havia
indivíduos mal-intencionados a serviço do Diabo e devotados à queda do
cristianismo: desde os estábulos até os aposentos reais. Os meios legais e
éticos tradicionais foram deixados de lado enquanto juizes fervorosos e
líderes religiosos lutavam para exterminar os malfeitores e banir todas as
bruxas da face da Terra. Os estudiosos de hoje estimam que, durante esse
período, algo entre 30.000 e algumas centenas de milhares de pessoas foram
cruelmente torturadas e executadas como bruxas, com base em evidências que
eram, quando muito, inconsistentes e, com freqüência, inexistentes.
Por que essas coisas terríveis
aconteceram? Ninguém sabe ao certo. Mas com certeza os conflitos religiosos — entre eles a divisão da Igreja cristã
em grupos opostos de católicos e protestantes — tiveram um papel importante na criação de uma atmosfera de
desconfiança entre vizinhos e até
mesmo dentro das famílias. A invenção da imprensa em meados do século XV também
contribuiu para a rápida difusão de idéias e dos medos relacionados à bruxaria
entre as pessoas que ocupavam posições de poder.
Frontispício
do livro
Malleus
Maleficarum — O Martelo das Feiticeiras.
As principais idéias
relacionadas à caça às bruxas podiam ser encontradas no Malleus
Maleficarum, ou O Martelo das Feiticeiras, um amplo guia para
identificar, perseguir e punir bruxas escrito, em 1486, por dois alemães que
eram caçadores de bruxas. O livro teve sucesso imediato e foi lido por padres,
legisladores e quase todos aqueles que sabiam ler. Ele se tornou tão popular
que, durante quase dois séculos, só perdeu para a Bíblia nas vendas. Apesar de
o livro não ter criado o fenômeno de caça às bruxas, ao tornar populares e
apoiar as crenças que estavam por trás dos julgamentos, o Malleus ajudou
a perpetuar os estereótipos e as informações falsas que condenaram à morte
milhares de pessoas inocentes.
Os autores desse livro, Heinrich Kramer e
James Sprenger, forneceram detalhes assustadores de como as bruxas faziam
pactos com o Diabo, transformavam-se em animais selvagens e sacrificavam bebês.
Com o apoio do Papa Inocêncio VIII, suas alegações passaram a ser vistas como
verdades absolutas. Centenas de julgamentos foram moldados de acordo com os
procedimentos que eles criaram, negando às bruxas acusadas o direito de ter
advogados ou chamar testemunhas e recomendando a tortura como forma de obter
confissões. Fazendo referência à Bíblia —
"Não deixarás viver uma feiticeira" (Êxodo 22:18) —, os autores asseguravam o público de
que a única maneira de reagir à ameaça de Satã era denunciando e destruindo
seus criados na Terra.
Grande parte da responsabilidade de executar
essa pesada tarefa caiu, inicialmente, sobre a Santa Inquisição.
A Inquisição era uma divisão da Igreja Católica encarregada de localizar e
exterminar heresias, ou seja, quaisquer crenças ou práticas que fossem
contrárias às da Igreja. Os inquisidores profissionais recebiam amplos poderes
para encontrar e punir malfeitores, e os indivíduos conhecidos por praticar
magia eram um alvo fácil em sua luta. Apesar de a Igreja nunca ter aprovado as
curandeiras e magos que preparavam poções de amor e de cura, essas pessoas
eram parte das comunidades, e as autoridades nunca se esforçaram muito
seriamente para impedir que trabalhassem. A partir desse momento na história,
contudo, a Igreja passou a sustentar que qualquer pessoa conhecida por ter
habilidades sobrenaturais só poderia ter recebido essas habilidades do Diabo e
se tornava, portanto, culpada de heresia —
um crime punido com a morte. Essa regra se aplicava aos curandeiros da
aldeia e adivinhos, assim como àqueles suspeitos de praticar formas de magia claramente
malévolas, tais como lançar feitiços para ferir pessoas ou destruir plantações.
As acusações de bruxaria não se
limitavam àqueles conhecidos por praticar magia. À medida que a histeria
aumentava e as autoridades seculares, assim como as católicas e protestantes,
começavam a participar da caça às bruxas, todos os cidadãos tementes a Deus
eram chamados a se apresentar e a denunciar o maior número de suspeitos
possível.
A
culpa ou a inocência de alguém acusado de bruxaria era
muitas vezes determinada jogando
a pessoa dentro da água. Boiar era sinal de culpa, enquanto
afundar (e, eventualmente, se afogar!) era sinal de
inocência. Os caçadores
de bruxas podiam controlar o resultado do teste manipulando
as cordas que prendiam o suspeito.
Uma senhora idosa podia ser acusada apenas
por ter uma aparência estranha, ou porque andava pela
aldeia falando sozinha, ou ainda por ter uma vassoura em casa. Uma discussão
corriqueira podia acabar em uma acusação de bruxaria se a parte prejudicada
sugerisse às autoridades que seu vizinho tinha lhe rogado uma praga. Nos
lugares onde os bens das bruxas condenadas eram confiscados, as pessoas mais
ricas da cidade eram os alvos mais prováveis. Mas homens e mulheres de todas as
idades, tanto os ricos quanto os pobres, eram acusados, julgados, torturados e
queimados na fogueira. Acusações anônimas podiam ser feitas contra qualquer
pessoa, e o acusador não precisava nem mesmo se preocupar em ter que encarar a
pessoa que ele havia acusado de bruxaria.
Durante o período
mais intenso de caça às bruxas, para cada homem acusado, três mulheres eram
incriminadas. Hoje isso nos parece ser claramente preconceituoso, mas, para os
caçadores de bruxas, era perfeitamente razoável. Do ponto de vista deles, a
história bíblica de Adão e Eva mostrava que as mulheres eram responsáveis por
todos os pecados do mundo. Na época, considerava-se óbvio que elas fossem
física, moral e intelectualmente mais fracas que os homens e, portanto, muito
mais suscetíveis à tentação do Diabo. Além disso, ressaltavam os caçadores de
bruxas, as mulheres eram claramente mais vingativas que os homens, mais
maldosas e mais propensas a contar mentiras.
Os estudiosos de hoje sugerem que, além
desses sinais claros de misoginia (aversão às mulheres) na cultura que apoiava
a caça às bruxas, algumas condições sociais tornavam as mulheres mais
vulneráveis às acusações de bruxaria. Por exemplo, as parteiras que ajudavam a
dar à luz os bebês eram mulheres e, quando os recém-nascidos morriam (o que
acontecia com freqüência nessa época), os pais podiam querer culpá-las. Para a
população, a diferença entre uma parteira e uma bruxa era pequena, já que
mortes súbitas eram consideradas uma prova de bruxaria. Contudo, é provável que
o maior grupo de bruxas incriminadas fosse o das mulheres idosas que viviam
sozinhas — tanto as solteironas
quanto as viúvas. Em uma sociedade dominada pelos homens, onde as mulheres não
tinham direitos nem bens, uma mulher que não estava sob o controle direto de
um pai ou de um marido era considerada uma ameaça ou, na melhor das hipóteses,
vista com desconfiança. Os julgamentos de bruxas podem ter sido uma maneira
conveniente de se livrar desses desagradáveis membros da comunidade.
Também é bastante provável que mais mulheres
praticassem alguma forma de magia. Como não tinham poder para se vingar de
ofensas dirigidas contra elas, resolver disputas e nem mesmo exercer qualquer
controle sobre o próprio destino por meios legais, é possível que as mulheres
tenham se voltado para a prática ilegal da magia — feitiços, poções ou maldições —
como uma tentativa de exercer alguma influência em suas vidas e no mundo
que as rodeava. Apesar de tais atividades serem, em geral, inofensivas, elas
podiam ter conseqüências graves se resultassem em uma acusação de bruxaria.
Uma vez presas, as bruxas acusadas eram
levadas a julgamento e eram consideradas culpadas até
que se provasse o contrário. Afinal de contas, o Malleus Maleficarum dizia
que os juizes não precisavam se preocupar muito com o veredicto, já que Deus
nunca permitiria que uma pessoa inocente fosse condenada por bruxaria. Na
Alemanha, França e Suíça, os suspeitos eram torturados regularmente para se
obter confissões detalhadas. Sob o efeito das dores intensas, o acusado quase
sempre confessava tudo que o inquisidor quisesse — adorar Satã, invocar e
pactuar com demônios, usar vassouras voadoras para ir aos encontros de
meia-noite, lançar feitiços para ferir os vizinhos, e uma variedade de outros
crimes. Cada nova confissão confirmava a crença do acusador de que a
conspiração diabólica tinha atingido proporções monumentais e os incentivava a
procurar com mais atenção e a punir mais severamente. Na Inglaterra e na
Escandinávia, onde a tortura era ilegal, os juizes confiavam em testemunhos
não confirmados, assim como na existência da chamada "marca da bruxa"
(qualquer sinal ou marca de nascença servia) ou em declarações de que o acusado
possuía um animal de companhia demoníaco, conhecido como "familiar" (ver Bruxas).
Cada "bruxa" também era forçada a fornecer nomes de
cúmplices para que novos julgamentos pudessem ocorrer. Esse método às vezes
gerava uma reação em cadeia que resultava na destruição da aldeia inteira. Em
1589, 133 moradores da cidade de Quedlinburg, na Alemanha, foram executados por
bruxaria em um único dia.
É claro que nem todos acreditavam em
bruxaria. Nem todos suspeitavam que seus vizinhos faziam pactos com o Diabo.
Então,
por que as pessoas sensatas não se manifestaram e deram fim à caça às bruxas?
Alguns tentaram, mas os julgamentos eram apoiados por autoridades poderosas e
qualquer pessoa que duvidasse abertamente da existência da bruxaria, ou até
mesmo da culpa de uma inofensiva senhora idosa, corria o risco de acabar ela
própria em um tribunal. Somente aqueles que contavam com a proteção das
autoridades podiam correr tal risco, mas, na maior parte dos casos, seus
protestos não surtiam muito efeito.
Entretanto, o pavor das bruxas foi
desaparecendo à medida que a revolução científica trazia um novo
ceticismo à Europa e a crença na magia caía em desuso entre os membros da
classe alta. Uma das últimas grandes eclosões da histeria aconteceu na colônia
americana de Salem, Massachusetts, em 1692. O último julgamento de bruxa na
Inglaterra realizou-se em 1712, na França em 1745 e na Alemanha em 1775. As
leis proibindo a bruxaria foram revogadas na Inglaterra e na Escócia em 1736.
Aqueles que ainda acreditavam na interferência do Diabo nos acontecimentos
terrenos guardavam suas crenças para si mesmos. Não sendo mais considerada uma
heresia, a bruxaria entrou novamente no domínio da magia popular. Contudo, a
associação das bruxas com o mal nunca desapareceu por completo. Erupções de
violência contra supostas bruxas foram registradas na Europa e nos Estados
Unidos até o começo do século XX.
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