quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O MANUAL DO BRUXO - ALLAN ZOLA KRONZEK - 17







Durante aproximadamente 250 anos, as pessoas de todas as camadas da sociedade foram convencidas de que uma grande conspiração de bruxas ameaçava suas vidas. Acreditava-se que, em todo lugar, havia indivíduos mal-intencionados a serviço do Diabo e devotados à queda do cristianismo: desde os estábulos até os aposentos reais.



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Seria bom pensar que a história real da caça às bruxas do início da Idade Moderna na Europa foi toda contada em A História da Magia, de Bathilda Bagshot. Neste livro, Harry lê que as bruxas e magos que foram queimados na fogueira não sentiam dor um simples encanta­mento fazia as chamas causarem apenas uma suave sensação de cócegas. Mas a gentil senhora Bagshot não fala da morte de milhares de homens e mulheres comuns que foram falsamente acusados de bruxaria e que não possuíam poderes mágicos para protegê-los. Infelizmente, essas foram as verdadeiras vítimas da histérica caça às bruxas que tomou conta da maior parte da Europa de meados do século XV até o final do século XVII.
Durante aproximadamente 250 anos, as pessoas de todas as camadas da sociedade foram convencidas de que uma grande conspiração de bruxas ameaçava suas vidas. Acreditava-se que, em todo lugar, havia indivíduos mal-intencionados a serviço do Diabo e devotados à queda do cristianismo: desde os estábulos até os aposentos reais. Os meios legais e éticos tradicionais foram deixados de lado enquanto juizes fer­vorosos e líderes religiosos lutavam para exterminar os malfeitores e banir todas as bruxas da face da Terra. Os estudiosos de hoje estimam que, durante esse período, algo entre 30.000 e algumas centenas de mi­lhares de pessoas foram cruelmente torturadas e executadas como bruxas, com base em evidências que eram, quando muito, inconsistentes e, com freqüência, inexistentes.
Por que essas coisas terríveis aconteceram? Ninguém sabe ao certo. Mas com certeza os conflitos religiosos entre eles a divisão da Igreja cristã em grupos opostos de católicos e protestantes tiveram um papel importante na criação de uma atmosfera de desconfiança entre vizinhos e até mesmo dentro das famílias. A invenção da imprensa em meados do século XV também contribuiu para a rápida difusão de idéias e dos medos relacionados à bruxaria entre as pessoas que ocupavam posições de poder.


Frontispício do livro
Malleus Maleficarum — O Martelo das Feiticeiras.

As principais idéias relacionadas à caça às bruxas podiam ser encon­tradas no Malleus Maleficarum, ou O Martelo das Feiticeiras, um amplo guia para identificar, perseguir e punir bruxas escrito, em 1486, por dois alemães que eram caçadores de bruxas. O livro teve sucesso imediato e foi lido por padres, legisladores e quase todos aqueles que sabiam ler. Ele se tornou tão popular que, durante quase dois séculos, só perdeu para a Bíblia nas vendas. Apesar de o livro não ter criado o fenômeno de caça às bruxas, ao tornar populares e apoiar as crenças que estavam por trás dos julgamentos, o Malleus ajudou a perpetuar os estereótipos e as infor­mações falsas que condenaram à morte milhares de pessoas inocentes.
Os autores desse livro, Heinrich Kramer e James Sprenger, fornece­ram detalhes assustadores de como as bruxas faziam pactos com o Diabo, transformavam-se em animais selvagens e sacrificavam bebês. Com o apoio do Papa Inocêncio VIII, suas alegações passaram a ser vis­tas como verdades absolutas. Centenas de julgamentos foram moldados de acordo com os procedimentos que eles criaram, negando às bruxas acusadas o direito de ter advogados ou chamar testemunhas e recomen­dando a tortura como forma de obter confissões. Fazendo referência à Bíblia "Não deixarás viver uma feiticeira" (Êxodo 22:18) —, os autores asseguravam o público de que a única maneira de reagir à ameaça de Satã era denunciando e destruindo seus criados na Terra.
Grande parte da responsabilidade de executar essa pesada tarefa caiu, inicialmente, sobre a Santa Inquisição. A Inquisição era uma divisão da Igreja Católica encarregada de localizar e exterminar heresias, ou seja, quaisquer crenças ou práticas que fossem contrárias às da Igreja. Os inquisidores profissionais recebiam amplos poderes para encontrar e punir malfeitores, e os indivíduos conhecidos por praticar magia eram um alvo fácil em sua luta. Apesar de a Igreja nunca ter aprovado as curan­deiras e magos que preparavam poções de amor e de cura, essas pessoas eram parte das comunidades, e as autoridades nunca se esforçaram muito seriamente para impedir que trabalhassem. A partir desse momento na história, contudo, a Igreja passou a sustentar que qualquer pessoa co­nhecida por ter habilidades sobrenaturais só poderia ter recebido essas habilidades do Diabo e se tornava, portanto, culpada de heresia um crime punido com a morte. Essa regra se aplicava aos curandeiros da aldeia e adivinhos, assim como àqueles suspeitos de praticar formas de magia claramente malévolas, tais como lançar feitiços para ferir pessoas ou destruir plantações.
As acusações de bruxaria não se limitavam àqueles conhecidos por praticar magia. À medida que a histeria aumentava e as autoridades secu­lares, assim como as católicas e protestantes, começavam a participar da caça às bruxas, todos os cidadãos tementes a Deus eram chamados a se apresentar e a denunciar o maior número de suspeitos possível.


A culpa ou a inocência de alguém acusado de bruxaria era muitas vezes determinada jogando a pessoa dentro da água. Boiar era sinal de culpa, enquanto afundar (e, eventualmente, se afogar!) era sinal de inocência. Os caçadores de bruxas podiam controlar o resultado do teste manipulando as cordas que prendiam o suspeito.

Uma senhora idosa podia ser acusada apenas por ter uma aparência estranha, ou porque andava pela aldeia falando sozinha, ou ainda por ter uma vassoura em casa. Uma discussão corriqueira podia acabar em uma acusação de bruxaria se a parte prejudicada sugerisse às autoridades que seu vizinho tinha lhe rogado uma praga. Nos lugares onde os bens das bruxas condenadas eram confiscados, as pessoas mais ricas da cidade eram os alvos mais prováveis. Mas homens e mulheres de todas as idades, tanto os ricos quanto os pobres, eram acusados, julgados, tortu­rados e queimados na fogueira. Acusações anônimas podiam ser feitas contra qualquer pessoa, e o acusador não precisava nem mesmo se preo­cupar em ter que encarar a pessoa que ele havia acusado de bruxaria.



Por que as bruxas eram mulheres?

Durante o período mais intenso de caça às bruxas, para cada homem acusado, três mulheres eram incriminadas. Hoje isso nos parece ser claramente preconceituoso, mas, para os caçadores de bruxas, era perfeitamente razoável. Do ponto de vista deles, a história bíblica de Adão e Eva mostra­va que as mulheres eram responsáveis por todos os pecados do mundo. Na época, considerava-se óbvio que elas fossem física, moral e intelectualmente mais fracas que os homens e, portanto, muito mais suscetíveis à tentação do Diabo. Além disso, ressaltavam os caçadores de bruxas, as mulheres eram claramente mais vingativas que os homens, mais maldosas e mais propensas a contar mentiras.
Os estudiosos de hoje sugerem que, além desses sinais cla­ros de misoginia (aversão às mulheres) na cultura que apoiava a caça às bruxas, algumas condições sociais tornavam as mu­lheres mais vulneráveis às acusações de bruxaria. Por exemplo, as parteiras que ajudavam a dar à luz os bebês eram mulheres e, quando os recém-nascidos morriam (o que acontecia com freqüência nessa época), os pais podiam querer culpá-las. Para a população, a diferença entre uma parteira e uma bruxa era pequena, já que mortes súbitas eram consideradas uma prova de bruxaria. Contudo, é provável que o maior grupo de bruxas incriminadas fosse o das mulheres idosas que viviam sozinhas tanto as solteironas quanto as viúvas. Em uma sociedade dominada pelos homens, onde as mulheres não tinham direi­tos nem bens, uma mulher que não estava sob o controle di­reto de um pai ou de um marido era considerada uma ameaça ou, na melhor das hipóteses, vista com desconfiança. Os jul­gamentos de bruxas podem ter sido uma maneira conveniente de se livrar desses desagradáveis membros da comunidade.
Também é bastante provável que mais mulheres praticas­sem alguma forma de magia. Como não tinham poder para se vingar de ofensas dirigidas contra elas, resolver disputas e nem mesmo exercer qualquer controle sobre o próprio destino por meios legais, é possível que as mulheres tenham se voltado para a prática ilegal da magia feitiços, poções ou maldições como uma tentativa de exercer alguma influência em suas vidas e no mundo que as rodeava. Apesar de tais atividades serem, em geral, inofensivas, elas podiam ter conseqüências graves se resultassem em uma acusação de bruxaria.




Uma vez presas, as bruxas acusadas eram levadas a julgamento e eram consideradas culpadas até que se provasse o contrário. Afinal de contas, o Malleus Maleficarum dizia que os juizes não precisavam se preocupar muito com o veredicto, já que Deus nunca permitiria que uma pessoa ino­cente fosse condenada por bruxaria. Na Alemanha, França e Suíça, os sus­peitos eram torturados regularmente para se obter confissões detalhadas. Sob o efeito das dores intensas, o acusado quase sempre confessava tudo que o inquisidor quisesse — adorar Satã, invocar e pactuar com demônios, usar vassouras voadoras para ir aos encontros de meia-noite, lançar feitiços para ferir os vizinhos, e uma variedade de outros crimes. Cada no­va confissão confirmava a crença do acusador de que a conspiração dia­bólica tinha atingido proporções monumentais e os incentivava a pro­curar com mais atenção e a punir mais severamente. Na Inglaterra e na Escandinávia, onde a tortura era ilegal, os juizes confiavam em testemu­nhos não confirmados, assim como na existência da chamada "marca da bruxa" (qualquer sinal ou marca de nascença servia) ou em declarações de que o acusado possuía um animal de companhia demoníaco, conhecido como "familiar" (ver Bruxas). Cada "bruxa" também era forçada a fornecer nomes de cúmplices para que novos julgamentos pudessem ocorrer. Esse método às vezes gerava uma reação em cadeia que resultava na destruição da aldeia inteira. Em 1589, 133 moradores da cidade de Quedlinburg, na Alemanha, foram executados por bruxaria em um único dia.
É claro que nem todos acreditavam em bruxaria. Nem todos sus­peitavam que seus vizinhos faziam pactos com o Diabo. Então, por que as pessoas sensatas não se manifestaram e deram fim à caça às bruxas? Alguns tentaram, mas os julgamentos eram apoiados por autoridades poderosas e qualquer pessoa que duvidasse abertamente da existência da bruxaria, ou até mesmo da culpa de uma inofensiva senhora idosa, cor­ria o risco de acabar ela própria em um tribunal. Somente aqueles que contavam com a proteção das autoridades podiam correr tal risco, mas, na maior parte dos casos, seus protestos não surtiam muito efeito.
Entretanto, o pavor das bruxas foi desaparecendo à medida que a re­volução científica trazia um novo ceticismo à Europa e a crença na magia caía em desuso entre os membros da classe alta. Uma das últimas grandes eclosões da histeria aconteceu na colônia americana de Salem, Massachusetts, em 1692. O último julgamento de bruxa na Inglaterra realizou-se em 1712, na França em 1745 e na Alemanha em 1775. As leis proibindo a bruxaria foram revogadas na Inglaterra e na Escócia em 1736. Aqueles que ainda acreditavam na interferência do Diabo nos acontecimentos terrenos guardavam suas crenças para si mesmos. Não sendo mais considerada uma heresia, a bruxaria entrou novamente no domínio da magia popular. Contudo, a associação das bruxas com o mal nunca desapareceu por completo. Erupções de violência contra supostas bruxas foram registradas na Europa e nos Estados Unidos até o começo do século XX.


Prisioneiro de Azkaban, 1





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