quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O MANUAL DO BRUXO - ALLAN ZOLA KRONZEK - 40







Os gigantes estão presentes nos primeiros mitos de criação de nume­rosas culturas, muitas vezes como uma raça de seres enormes que existiram antes mesmo do que os deuses.



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Nem sempre é fácil carregar o peso da reputação de seus ancestrais. É sem dúvida por isso que a enorme Madame Maxime insiste em dizer que não é uma giganta - apenas tem "ossos grandes". Os gigantes têm uma reputação ancestral de agirem de forma cruel sem motivos e, como Hagrid acaba percebendo, a maioria dos humanos não convive bem com eles.
Os gigantes estão presentes nos primeiros mitos de criação de nume­rosas culturas, muitas vezes como uma raça de seres enormes que existiram antes mesmo do que os deuses. A mitologia grega fala dos Titãs, gigantes altos como montanhas e de força tremenda. Nascidos da união da Terra com o Céu, eram medonhos, com caras peludas, pés escamosos e, em cer­tos casos, várias cabeças. Numa luta pela supremacia, os Titãs travaram uma guerra tão violenta contra os deuses do Olimpo que o universo quase foi destruído. Com a ajuda de Hércules, filho mortal de Zeus, os deuses acabaram vencendo a batalha e mataram ou prenderam todos os Titãs.
Os gigantes desempenham um papel semelhante na mitologia escan­dinava, na qual os Gigantes Congelados, liderados pelo pérfido Thrym (cujo nome significa "tumulto"), foram os inimigos fundamentais de Thor e dos demais deuses. Nas lendas celtas dizia-se que gigantes malvados chamados Fomorianos tinham sido os primeiros habitantes da Irlanda e, em certos contos, eram associados ao inverno, à neblina, às tempestades, às doenças e às colheitas ruins. O Velho Testamento também menciona uma raça de gigantes, fruto da união antinatural de anjos caídos com humanos. Os gigantes bíblicos, no entanto, não são tão grandes quanto os outros da mitologia. O gigante Golias, famoso por ter sido morto por Davi com uma funda, tinha "apenas" dois metros e noventa.
O folclore inglês, durante muito tempo, reservou um lugar especial para os gigantes, talvez em função da sua importância nos mitos de fundação do país. Geoffrey de Monmouth, na História dos Reis da Grã-Bretanha (que na verdade não é um relato histórico verdadeiro, mas sim histórias dos primórdios lendários da Grã-Bretanha), fala de uma raça de gigantes de três metros e sessenta, capazes de arrancar árvores do solo, pela raiz, como se fossem ervas daninhas num jardim. Segundo Geoffrey, esses gigantes reinaram na Inglaterra até serem derrotados pelos exérci­tos de Brutus, o fundador mitológico da raça britânica e bisneto do herói troiano Enéias.
Durante a Idade Média, os gigantes se equipararam aos dragões como oponentes dignos dos cavaleiros andantes, que buscavam glória e aven­tura. Nas lendas do rei Artur e outras histórias épicas, os gigantes repre­sentam tudo o que há de mau no mundo: são sanguinários, avarentos, glutões e cruéis. Raptam mulheres, roubam dos vizinhos, matam crianças e às vezes até comem gente. Assim, matar um gigante é um ato de honra e de bondade. Em Le Morte d'Arthur (A morte de Artur), escrito por Sir Thomas Malory, publicado em 1485, Sir Lancelot dá prova da sua honra ainda muito jovem matando um par de gigantes malvados que mantive­ram três donzelas como escravas durante sete dolorosos anos. O cava­leiro Marhaus conquista a riqueza e a gratidão de seus pares ao matar o gigante Taulard e libertar nada menos do que vinte e quatro donzelas e doze cavaleiros cativos. E o próprio rei Artur se revela o mais talentoso matador de gigantes, derrotando o gigante do monte Saint-Michel, um canibal que derrotara quinze reis e vestia um casaco bordado com os pêlos das barbas deles.
Os gigantes continuaram a ocupar um amplo espaço na imaginação popular muito depois da época da cavalaria andante haver terminado. Nos séculos XVIII e XIX, homens enormes, com um apetite enorme - e, em muitos casos, um desejo ardente de ter esposas de tamanho normal -, viraram rotina nos contos do folclore europeu. Entre eles, os mais conhecidos eram os que envolviam um jovem corajoso, ainda que um pouco descuidado, chamado João. Em "João, Matador de Gigantes", uma história que apareceu impressa pela primeira vez no século XIX mas se passava no tempo do rei Arthur, João é o filho de um lavrador inglês e faz carreira enganando gigantes. Sua primeira vítima foi um gigante de cinco metros e meio, chamado Cormoran, que andava aterrorizando os arredores da Cornualha, roubando e devorando tantas ovelhas, porcos e bois que as pessoas acabaram ficando pobres e famintas. João cavou um buraco bem fundo, que ele cobriu com ramos e folhas, depois atraiu o gigante, que caiu lá dentro, para em seguida ser morto por João. Uma série de vitórias semelhantes rendeu muitas recompensas para João, inclusive uma grande propriedade e a mão da filha do duque. Em "João e o Pé de Feijão", um João bem diferente enfrenta um gigante que mora num castelo nas nuvens (no topo do pé de feijão, é claro) e diz as famosas palavras: "Um, dois, três, sinto cheiro de um inglês", enquanto um João trêmulo está escondido ali perto.


Uma história tão longa de mau comportamento não pode, segura­mente, ser atribuído apenas a dois ou três indivíduos mal-intencionados, portanto é difícil censurar os pais de Hogwarts quando ficam preocupa­dos com o fato de seus filhos estarem tendo aula com um semigigante. Mas, conforme Alvo Dumbledore parece saber, julgar um indivíduo pela reputação da espécie a que ele pertence pode ser enganoso. Em muitas histórias modernas os gigantes são criaturas bondosas que ajudam e pro­tegem humanos de tamanho normal, sobretudo crianças. Eles podem sofrer por deformidades físicas devido a seu tamanho, ou se sentirem iso­lados, estranhos ou discriminados. Já conhecemos alguns gigantes que são bons, e talvez haja outros por aí. Se os planos de Dumbledore fun­cionarem, talvez a gente logo descubra.


Cálice de Fogo, 23






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