segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O MANUAL DO BRUXO - ALLAN ZOLA KRONZEK - 78








A Professora McGonagall não perde tempo explicando a seus alunos do primeiro ano no que consiste a transfiguração. Em um piscar de olhos, ela transforma sua mesa em um porco. Ela também poderia ter se transformado em um gato, ou transformado um de seus alunos em [...].



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A Professora McGonagall não perde tempo explicando a seus alunos do primeiro ano no que consiste a transfiguração. Em um piscar de olhos, ela transforma sua mesa em um porco. Ela também poderia ter se transformado em um gato, ou transformado um de seus alunos em uma tartaruga ou em um pedaço de madeira. A transfiguração - transformação mágica de uma pessoa, animal, ou um objeto em outro - é um assunto complexo e perigoso que requer anos de estudo. Os prin­cipiantes começam com tarefas bem simples, como transformar botões em besouros.
Histórias de transfiguração (do latim trans, “através de”, e figura, “forma”) são encontradas em mitos, contos de fada e no folclore do mundo inteiro. A fada madrinha de Cinderela transfigura uma abóbora em carruagem e camundongos em cavalos. Em histórias clássicas como “O Príncipe Sapo” e “A Bela e a Fera”, belos rapazes se tornam sapos coaxantes ou ogros repulsivos. A bruxa grega Circe fez de seu jardim um verdadeiro zoológico ao transformar suas visitas em leões, ursos e lobos, sendo que os convidados menos sortudos acabaram no chiqueiro.
As histórias mais famosas talvez sejam as que encontramos em Metamorfoses, do poeta romano Ovídio. Escrito no século I, o livro conta a história do mundo, começando com a transformação do caos em ordem e terminando na época de Ovídio com a transfiguração do imperador Júlio César em uma estrela. Entre uma coisa e outra há cerca de 250 histórias de deuses, heróis e mortais passando por transfigurações fantásticas e, às vezes, chocantes. O caçador Actéon é transformado em um cervo, como castigo por ter espionado a deusa Diana enquanto ela tomava banho, e acaba sendo dilacerado pelos próprios cachorros.
Aracne, uma mestra tecelã, foi transfigurada em uma aranha por ter tido a audácia de desafiar a deusa Minerva para saber qual das duas tecia me­lhor. Já a ninfa Dafne foi transfigurada em um loureiro enquanto fugia do deus Apoio. Nas palavras de Ovídio: “... uma grande fraqueza tomou seus membros, seus seios macios foram cercados por uma grossa casca de árvore, seus cabelos viraram folhas, seus braços, galhos, e seus pés, antes tão velozes, foram presos fortemente por preguiçosas raízes, enquanto seu rosto se transformou na copa da árvore. Nada restou dela, exceto sua extraordinária graça.”
As transfigurações de Ovídio quase sempre são desencadeadas pela fúria ou bondade de um deus, mas muitas criaturas da mitologia e do fol­clore podem mudar de forma por vontade própria; elas são conhecidas como criaturas camaleônicas. Os deuses escandinavos Odin e Loki eram especia­listas em assumir formas de animais, assim como o deus grego Zeus, que fre­qüentemente se transformava em um touro, carneiro, águia, pomba ou cisne. Muitas fadas e a maior parte dos demônios, inclusive as veelas, os ghouls e os trasgos, são mestres em mudar de forma e podem se transformar em qualquer coisa - uma mulher atraente, fumaça, uma bacia de água, uma pedra, uma tempes­tade de areia ou até mesmo seu melhor amigo. Lendas popula­res do mundo inteiro falam das transfigurações-relâmpago que acontecem quando as cria­turas camaleônicas fogem de seus inimigos ou lutam entre si. Na fábula medieval galesa, o personagem Gwion Bach rouba o dom da profecia do caldeirão da bruxa Ceridwen. Ele sai correndo sob a forma de uma lebre, mas a bruxa o persegue sob a forma de um galgo. Ele mergulha em um rio e se transforma em um peixe; ela o segue como uma lontra. Ele le­vanta vôo sob a forma de um pequeno passarinho e ela o persegue trans­formada em falcão. Tendo avistado um monte de trigo recém-cortado no chão de um celeiro, Gwion pousa e se transfigura no que parecia ser o disfarce perfeito - um grão de trigo no meio de milhares. Ceridwen, no entanto, é ainda mais esperta. Ela pousa no celeiro, se transforma em uma galinha preta, fica ciscando ali até encontrar o grão certo de trigo e o devora.


A ninfa Dafne transfigurada em um loureiro.

Os seres camaleônicos mais conhecidos, pelo menos por sua repu­tação, são as bruxas. Já no início do século II d.C. o escritor romano Apuleio escreveu sobre bruxas que podiam tomar a forma de pássaros, cachorros, doninhas, camundongos e — como uma certa repórter do Projeta Diário - insetos, para entrar nas casas das pessoas e levar a cabo seus serviços sujos sem serem notadas. Apuleio escrevia ficção (muitas coisas eram reflexos das crenças de seu tempo), mas, séculos mais tarde, durante a época de caça às bruxas (1450-1700), a crença de que as bruxas podiam se transfigurar em animais, principalmente em gatos, já havia se tornado um lugar-comum. Os julgamentos desse período estão repletos de “provas” de tais transfigurações, principalmente sob a forma de histórias de ferimentos, que teriam sido feitos nos animais e que mais tarde apareciam nos corpos das pessoas acusadas. Por exemplo: em um julgamento do século XVI em Ferrara, na Itália, um homem testemunhou que havia espancado um gato com uma vara quando viu que ele estava atacando seu bebê. No dia seguinte, uma mulher da vizinhança foi vista coberta de machucados. Isso era considerado prova de que havia sido ela, sob a forma felina, que atacara o bebê. Em outro julgamento, desta vez de uma bruxa escocesa, em 1718, um homem testemunhou que se sentia tão incomodado pelos gatos conversando com vozes humanas perto de sua casa que matou dois e feriu vários outros. Logo depois, duas mulheres da localidade foram encontradas mortas em suas camas e uma outra tinha um corte misterioso em sua perna, provando novamente que os gatos eram, na verdade, bruxas disfarçadas sob a forma de animais.
O folclore do mundo inteiro está repleto de histórias de homens e mulheres que, assim como Sirius Black, Tiago Potter e Pedro Pettigrew, podem adotar uma única forma animal. Na Europa, as lendas mais co­nhecidas eram sobre lobisomens — homens que se transformavam em lobos sanguinários por curtos períodos de tempo. Mas, nas regiões do mundo onde os lobos não são comuns, havia outros monstros meio homens, meio animais, que vagavam noite adentro. Na Amazônia havia histórias de homens-jaguar; na índia, de homens-tigre; na África, de homens-hiena, e em outras partes do mundo homens eram conhecidos por se transformar em coiotes, ursos, chacais, crocodilos ou serpentes. Muitas dessas lendas provavelmente surgiram de rituais de mágicos tri­bais e xamãs que, durante as cerimônias, vestiam peles, imitavam o com­portamento animal (bufavam, uivavam e batiam os pés no chão) e, talvez para eles e para aqueles que assistiam, tornavam-se temporariamente um veado, um urso ou um jaguar.
Muitos de nós já pensamos, em algum momento, como seria se tornar uma outra criatura: sentir o poder e a graça de um leopardo ou ver o mundo do alto, como uma águia. Mas poucos gostariam de experimentar a visão de um roedor que Olho-Tonto Moody dá a Draco Malfoy ao transformá-lo em um grande furão. Há vezes em que é melhor ser você mesmo.


Pedra Filosofal, 8






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