quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O MANUAL DO BRUXO - ALLAN ZOLA KRONZEK - 75







Desde a Bíblia até os poemas épicos da índia, os textos mais antigos da humanidade sugerem que as pessoas sempre foram fascinadas por seus sonhos. Na antiguidade acreditava-se que os sonhos continham infor­mações importantes, muitas vezes na forma de previsões sobre o futuro [...].



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Certas pessoas têm dificuldade para se lembrar de seus sonhos. Isso nunca foi um problema para Harry. Quer esteja dormindo profundamente na Rua dos Alfeneiros, quer tenha cochilado na aula da professora Trelawney, Harry tem sonhos que lhe dão muito o que pensar enquanto está acordado. Apavorantes e vividos, alguns desses sonhos parecem mostrar perigos futuros. Outros trazem visões indesejáveis de fatos horrendos que estão ocorrendo enquanto Harry sonha. Pesadelos assim não são fáceis de ignorar.
Desde a Bíblia até os poemas épicos da índia, os textos mais antigos da humanidade sugerem que as pessoas sempre foram fascinadas por seus sonhos. Na antigüidade acreditava-se que os sonhos continham infor­mações importantes, muitas vezes na forma de previsões sobre o futuro daquele que estava sonhando, sobre sua família, sua aldeia ou - sobretu­do quando quem estava sonhando era um rei — do destino de uma nação. Às vezes a mensagem de um sonho é absolutamente clara, como ocorre em muitos dos sonhos turbulentos e assustadores de Harry. Porém, muitas vezes o sentido está oculto ou disfarçado, exigindo os serviços de um intérprete.
A interpretação dos sonhos, ou oniromancia (do grego oniros, “sonho”, e mancia, “profecia”), é um dos sistemas de adivinhação mais antigos. Em tempos remotos, sempre foi vista como trabalho para um profissional - em geral, um sacerdote ou uma sacerdotisa ou alguém sim­plesmente conhecido como intérprete de sonhos, cujo único trabalho era ouvir o sonho das pessoas e explicar seu sentido, às vezes oferecen­do também conselhos sobre as providências práticas que a pessoa deve­ria tomar. Há referências a sistemas de interpretação de sonhos no texto literário mais antigo que se conhece, a lenda do rei Gilgamesh, o herói assírio, inscrita em tijolos de argila por volta do século VII a.C. No anti­go Egito, os intérpretes de sonhos eram conhecidos como “os sábios da biblioteca mágica” e moravam em templos onde o deus dos sonhos, Serápis, era adorado.
Havia lugares especiais não só para interpretar os sonhos como tam­bém para sonhar. Muitas pessoas esperavam que os problemas enfrenta­dos nas horas em que estavam acordadas pudessem ser resolvidos através de uma revelação feita através de um sonho enviado por deuses, con­tanto que se seguissem as normas corretas. Em seu esforço para receber sonhos que os ajudassem, os antigos egípcios dormiam à sombra da Esfinge ou passavam a noite num dos templos para Serápis. Se um intér­prete de sonhos não pudesse fazer ele mesmo a viagem até um templo, era possível contratar um sonhador substituto que iria dormir no templo e teria um sonho no lugar do intérprete contratado! Da mesma forma, um cidadão da antiga Grécia, em busca de alívio para a sua saúde abalada, podia viajar para um dos vários templos consagrados a Asclépio, deus da medicina, na esperança de receber um sonho que diagnosticaria sua doença e sugeriria um tratamento. No Japão medieval, um peregrino podia ficar cem dias ou mais em um santuário do sonho, obedecendo a uma dieta restrita e a uma escala de orações, na esperança de ter um sonho esclarecedor.
Investigar o significado de um sonho ficou muito mais simples depois que surgiram livros sobre o assunto. O primeiro manual abrangente sobre os sonhos foi o Oneirocritica, ou Interpretação dos Sonhos, escrito no século II d.C. pelo intérprete de sonhos Artemidoro de Daldis. Continha o significado de centenas de sonhos diferentes e também dos símbolos que aparecem nos sonhos. Foi o livro mais importante sobre o assunto durante mais de mil anos. Algumas de suas interpretações parecem total­mente razoáveis ainda hoje. Por exemplo, “todos os instrumentos que cortam e dividem coisas ao meio significam discórdias, revoltas e insul­tos...”. Outras, como a advertência de que dá azar sonhar com formigas aladas ou com codornas, provavelmente refletem as superstições da época e não fazem mais sentido em nossos dias.
A interpretação dos sonhos entrou e saiu de moda muitas vezes ao longo dos séculos. Havia quem fosse muito cético a esse respeito. O filó­sofo Aristóteles, por exemplo, afirmou que, quando os sonhos se tor­navam realidade, era mera coincidência. E enquanto muitos cidadãos da antiga Roma se davam ao trabalho de comprar amuletos, poções mági­cas e contavam seus sonhos para adivinhos usando turbantes, o orador Cícero reclamava que a adivinhação do futuro pelos sonhos não passava de superstição e que o público estava sendo “iludido (...) por imbecili­dades sem fim”. Em toda a história, contudo, muita gente relatou sonhos que, como os de Harry, se tornaram realidade ou revelavam informações às quais o sonhador jamais poderia ter acesso pelos meios normais. De fato, uma das características dos mágicos lendários e dos xamãs tribais é serem capazes de ver o que está acontecendo em outros lugares, seja através dos sonhos, seja através de transes visionários ou ainda em uma bola de cristal.
Ainda assim, não importa se é ou não verdade que os sonhos nos re­velam o futuro, nem tampouco se nos permitem ou não fazer viagens místicas para locais remotos. O fato é que os sonhos podem ser valiosos por outros motivos. Muitas pessoas famosas descobriram nos próprios sonhos um manancial de idéias criativas e soluções inteligentes para muitos problemas. A escritora Mary Shelley dizia que os personagens imortais do doutor Frankenstein e do seu monstro surgiram para ela num sonho. Bram Stoker, também escritor, disse a mesma coisa sobre a sua famosa criação, o vampiro conde Drácula. E o químico russo do século XIX Dmitri Mendeleiev, depois de muitos esforços infrutíferos para elaborar um sistema de classificação dos elementos químicos, viu “num sonho uma tabela em que todos os elementos se encaixavam em seus lugares como deveriam” e, ao despertar, criou a tabela periódica dos ele­mentos que todos os estudantes de química estudam hoje em dia.
Pensadores modernos, como Carl Jung e Sigmund Freud, declararam que o verdadeiro significado dos sonhos não está naquilo que nos reve­lam sobre o mundo externo, mas sim no que podem revelar a respeito de nós mesmos. Freud acreditava que os sonhos exprimiam nossos desejos mais profundos, ao passo que Jung dizia que todos os personagens fascinantes ou assustadores nos sonhos constituíam aspectos de nossas mentes. Seja como for, ninguém precisa ser um grande especialista em sonhos para perceber que o mundo dos sonhos, assim como o mundo da magia, é um lugar peculiar onde tudo pode acontecer. Podemos teste­munhar cenas de um esplendor deslumbrante ou horrores monstruosos, bem como tudo aquilo que existe entre esses dois pólos. Nos sonhos, voamos, flutuamos no ar, realizamos proezas que exigem uma força sobre-humana, ou experimentamos transformações tão espantosas quan­to as provocadas pelas poções mais poderosas do professor Snape. E talvez seja por isso que, quando lemos sobre magia ou presenciamos o espetáculo de um mágico, tudo aquilo às vezes nos pareça estra­nhamente familiar. Não é à toa: já vimos tudo antes em nossos sonhos.


Cálice de Fogo, 2






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