Desde a Bíblia até os poemas épicos da índia, os textos mais antigos da
humanidade sugerem que as pessoas sempre foram fascinadas por seus sonhos. Na
antiguidade acreditava-se que os sonhos continham informações importantes,
muitas vezes na forma de previsões sobre o futuro [...].
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Certas pessoas têm
dificuldade para se lembrar de seus sonhos. Isso nunca foi um problema para
Harry. Quer esteja dormindo profundamente na Rua dos Alfeneiros, quer tenha
cochilado na aula da professora Trelawney, Harry tem sonhos que lhe dão muito o
que pensar enquanto está acordado. Apavorantes e vividos, alguns desses sonhos
parecem mostrar perigos futuros. Outros trazem visões indesejáveis de fatos
horrendos que estão ocorrendo enquanto Harry sonha. Pesadelos assim não são
fáceis de ignorar.
Desde a Bíblia até os poemas
épicos da índia, os textos mais antigos da humanidade sugerem que as pessoas
sempre foram fascinadas por seus sonhos. Na antigüidade acreditava-se que os
sonhos continham informações importantes, muitas vezes na forma de previsões
sobre o futuro daquele que estava sonhando, sobre sua família, sua aldeia ou -
sobretudo quando quem estava sonhando era um rei — do destino de uma nação. Às
vezes a mensagem de um sonho é absolutamente clara, como ocorre em muitos dos
sonhos turbulentos e assustadores de Harry. Porém, muitas vezes o sentido está
oculto ou disfarçado, exigindo os serviços de um intérprete.
A interpretação dos sonhos, ou
oniromancia (do grego oniros, “sonho”, e mancia, “profecia”), é
um dos sistemas de adivinhação mais antigos. Em tempos remotos, sempre foi
vista como trabalho para um profissional - em geral, um sacerdote ou uma
sacerdotisa ou alguém simplesmente conhecido como intérprete de sonhos, cujo
único trabalho era ouvir o sonho das pessoas e explicar seu sentido, às vezes
oferecendo também conselhos sobre as providências práticas que a pessoa deveria
tomar. Há referências a sistemas de interpretação de sonhos no texto literário mais antigo que se conhece, a lenda
do rei Gilgamesh, o herói assírio, inscrita em tijolos de argila por volta do
século VII a.C. No antigo Egito, os intérpretes de
sonhos eram conhecidos como “os sábios da biblioteca mágica” e moravam em
templos onde o deus dos sonhos, Serápis, era adorado.
Havia lugares especiais não
só para interpretar os sonhos como também para sonhar. Muitas pessoas
esperavam que os problemas enfrentados nas horas em que estavam acordadas
pudessem ser resolvidos através de uma revelação feita através de um sonho
enviado por deuses, contanto que se seguissem as normas corretas. Em seu
esforço para receber sonhos que os ajudassem, os antigos egípcios dormiam à
sombra da Esfinge ou passavam a noite num dos templos para Serápis. Se um intérprete
de sonhos não pudesse fazer ele mesmo a viagem até um templo, era possível
contratar um sonhador substituto que iria dormir no templo e teria um sonho no
lugar do intérprete contratado! Da mesma forma, um cidadão da antiga Grécia, em
busca de alívio para a sua saúde abalada, podia viajar para um dos vários
templos consagrados a Asclépio, deus da medicina, na esperança de receber um
sonho que diagnosticaria sua doença e sugeriria um tratamento. No Japão
medieval, um peregrino podia ficar cem dias ou mais em um santuário do sonho,
obedecendo a uma dieta restrita e a uma escala de orações, na esperança de ter
um sonho esclarecedor.
Investigar o significado de um sonho ficou
muito mais simples depois que surgiram livros sobre o assunto. O primeiro
manual abrangente sobre os sonhos foi o Oneirocritica, ou Interpretação
dos Sonhos, escrito no século II d.C.
pelo intérprete de sonhos Artemidoro de Daldis. Continha o significado de
centenas de sonhos diferentes e também dos símbolos que aparecem nos sonhos.
Foi o livro mais importante sobre o assunto durante mais de mil anos. Algumas
de suas interpretações parecem totalmente razoáveis ainda hoje. Por exemplo, “todos
os instrumentos que cortam e dividem coisas ao meio significam discórdias,
revoltas e insultos...”. Outras, como a advertência de que dá azar sonhar com
formigas aladas ou com codornas, provavelmente refletem as superstições da
época e não fazem mais sentido em nossos dias.
A interpretação dos sonhos entrou e
saiu de moda muitas vezes ao longo dos séculos. Havia quem fosse muito cético a
esse respeito. O filósofo Aristóteles, por exemplo, afirmou que, quando os
sonhos se tornavam realidade, era mera coincidência. E enquanto muitos
cidadãos da antiga Roma se davam ao trabalho de comprar amuletos, poções
mágicas e contavam seus sonhos para adivinhos usando turbantes, o orador
Cícero reclamava que a adivinhação do futuro pelos sonhos não passava de
superstição e que o público estava sendo “iludido (...) por imbecilidades sem
fim”. Em toda a história, contudo, muita gente relatou sonhos que, como os de
Harry, se tornaram realidade ou revelavam informações às quais o sonhador
jamais poderia ter acesso pelos meios normais. De fato, uma das características
dos mágicos lendários e dos xamãs tribais é serem capazes de ver o que está
acontecendo em outros lugares, seja através dos sonhos, seja através de transes
visionários ou ainda em uma bola de cristal.
Ainda assim, não
importa se é ou não verdade que os sonhos nos revelam o futuro, nem tampouco
se nos permitem ou não fazer viagens místicas para locais remotos. O fato é que
os sonhos podem ser valiosos por outros motivos. Muitas pessoas famosas
descobriram nos próprios sonhos um manancial de idéias criativas e soluções
inteligentes para muitos problemas. A escritora Mary Shelley dizia que os
personagens imortais do doutor Frankenstein e do seu monstro surgiram para ela
num sonho. Bram Stoker, também escritor, disse a mesma coisa sobre a sua famosa
criação, o vampiro conde Drácula. E o químico russo do século XIX Dmitri
Mendeleiev, depois de muitos esforços infrutíferos para elaborar um sistema de
classificação dos elementos químicos, viu “num sonho uma tabela em que todos os
elementos se encaixavam em seus lugares como deveriam” e, ao despertar, criou a
tabela periódica dos elementos que todos os estudantes de química estudam hoje
em dia.
Pensadores modernos, como Carl Jung e
Sigmund Freud, declararam que o verdadeiro significado dos sonhos não
está naquilo que nos revelam sobre o mundo externo, mas sim no que podem
revelar a respeito de nós mesmos. Freud acreditava que os sonhos exprimiam
nossos desejos mais profundos, ao passo que Jung dizia que todos os personagens
fascinantes ou assustadores nos sonhos constituíam
aspectos de nossas mentes. Seja como for, ninguém precisa ser um grande
especialista em sonhos para perceber que o mundo dos sonhos, assim como o mundo
da magia, é um lugar peculiar onde tudo pode acontecer. Podemos testemunhar
cenas de um esplendor deslumbrante ou horrores monstruosos, bem como tudo
aquilo que existe entre esses dois pólos. Nos sonhos, voamos, flutuamos no ar,
realizamos proezas que exigem uma força sobre-humana, ou experimentamos
transformações tão espantosas quanto as provocadas pelas poções mais poderosas
do professor Snape. E talvez seja por isso que, quando lemos sobre magia ou
presenciamos o espetáculo de um mágico, tudo aquilo às vezes nos pareça estranhamente
familiar. Não é à toa: já vimos tudo antes em nossos sonhos.
Cálice
de Fogo, 2
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