Por
mais surpreendente que possa parecer a muitos bruxos, os trouxas nem
sempre foram ignorantes a respeito das criaturas mágicas e monstruosas que nos
esforçamos há tanto tempo para esconder. Um relance pela arte e a literatura
trouxas da Idade Média revela que eles sabiam serem reais muitas das criaturas
que hoje consideram imaginárias. O dragão, o grifo, o unicórnio, a fênix, o
centauro — estes e muitos outros estão representados nas obras de arte daquele
período, embora com uma inexatidão quase cômica.
Contudo, um exame mais
atento dos bestiários trouxas daquele período comprova que a maioria dos
animais mágicos ou passou inteiramente despercebida dos trouxas ou foi
confundida com outra coisa qualquer. Examinem o fragmento do manuscrito, a
seguir, de autoria de um tal Irmão Benedito, um monge franciscano de
Worcestershire:
Hoje, quando andava pelo canteiro de ervas, afastei um pé de manjericão e
descobri um furão de tamanho monstruoso. Ele não correu nem se escondeu como
costumam fazer esses animais, mas saltou sobre mim, fazendo-me cair de costas
no chão e gritando com uma fúria pouco natural: “Dá o fora, careca!”. Mordeu
então o meu nariz com tanta força que fiquei sangrando por muitas horas. O frei
não quis acreditar que eu encontrara um furão falante e até me perguntou se eu
andara bebendo o vinho de nabos do Irmão Bonifácio. Como o meu nariz
continuasse inchado e sangrando fui dispensado de assistir às vésperas.
Evidentemente, nosso
amigo trouxa tinha descoberto não um furão, como ele supôs, mas um furanzão,
muito provavelmente em perseguição à sua vítima preferida, os gnomos.
A compreensão
insuficiente é muitas vezes mais perigosa do que a ignorância, e o temor que os
trouxas têm da magia sem dúvida aumentou com o seu medo do que poderia estar
escondido em seus canteiros de ervas.
A perseguição dos
trouxas aos bruxos nessa época estava atingindo uma intensidade até então
desconhecida, e a visão de animais como dragões e hipogrifos contribuía para a
histeria dos trouxas.
Não é objetivo deste
livro discutir o período de trevas que precedeu a retirada dos bruxos para a
clandestinidade[1].
Estamos interessados apenas no destino dos animais fabulosos que, como nós
próprios, tiveram de se ocultar para que os trouxas se convencessem de que
magia não existia.
[1] Quem estiver interessado na história completa desse período particularmente sangrento da vida dos bruxos deve consultar “Uma História da Magia” de Bathilda Bagshot (Ed. Livrinhos Vermelhos, 1947).
A Confederação
Internacional dos Bruxos discutiu a questão em sua famosa reunião de cúpula de
1692. Nada menos de sete semanas de discussões, por vezes azedas, entre bruxos
de todas as nacionalidades, foram dedicadas ao espinhoso problema das criaturas
mágicas. Quantas espécies poderíamos ocultar do olhar dos trouxas e quais
deveriam ser? Onde e como iríamos escondê-las? O debate prosseguiu, acalorado,
e embora houvesse criaturas inconscientes de que seu destino estava sendo
decidido, outras contribuíram para o debate[2].
Finalmente chegaram a
um acordo[3].
[3] A exceção dos duendes.
Vinte e sete espécies, desde o tamanho de um dragão ao de um bandinho, deveriam
ser escondidas dos trouxas, de modo a criar a ilusão de que jamais haviam
existido, exceto na imaginação. Este número cresceu no século seguinte, à
medida que os bruxos adquiriram maior confiança nos seus métodos de ocultamente.
Em 1750 foi inserida no Estatuto Internacional de Sigilo em Magia a Cláusula
73, hoje respeitada pelos Ministérios da Magia do mundo inteiro:
Todo governo bruxo se responsabilizará pelo ocultamento, cuidado e
controle de todos os animais, seres e espíritos mágicos que vivam dentro das
fronteiras do seu território. Se tais criaturas causarem mal ou chamarem
atenção da comunidade trouxa, o governo bruxo da nação afetada será
disciplinado pela Confederação Internacional dos Bruxos.
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