ANIMAIS
FANTÁSTICOS OCULTOS
Seria
inútil negar que há violações ocasionais da Cláusula 73 desde sua
inserção no Estatuto. Os leitores britânicos mais velhos se lembram do
Incidente Ilfracombe de 1932 quando um dragão verde-galês errante mergulhou
sobre uma praia apinhada de trouxas que se banhavam ao sol. As fatalidades
foram felizmente evitadas pelas medidas corajosas tomadas por uma família de
bruxos em férias (condecorada pelo ato com Ordens de Merlim, Primeira
Classe), em que seus membros prontamente realizaram a maior operação de
Feitiços da Memória deste século nos habitantes de Ilfracombe, afastando por um
triz a calamidade iminente [1].
[1] Em seu livro publicado em 1972, Trouxas Sensitivos, Blenheim Stalk afirma que alguns habitantes de Ilfracombe não foram afetados pelo Feitiço da Memória em Massa. “Até hoje, um trouxa apelidado de ‘Esquisitão’ continua falando nos bares ao longo da costa sulina de ‘um baita lagarto voador’ que perfurou seu colchão de ar”.
A Confederação
Internacional dos Bruxos tem aplicado repetidas multas em certas nações por
desrespeitarem a Cláusula 73. O Tibete e a Escócia são os dois infratores mais
insistentes. Os trouxas que vêem iétis têm sido tão numerosos que a
Confederação achou necessário basear permanentemente uma Força-Tarefa
Internacional nas montanhas do Tibete. Entrementes a maior alga do mundo
continua a escapar à captura no Lago Ness e parece ter se desenvolvido uma
verdadeira sede de publicidade.
Apesar desses
lamentáveis incidentes, nós bruxos podemos nos dar os parabéns pelo bom
trabalho que temos feito. Não resta dúvida de que a maioria esmagadora dos
trouxas da atualidade se recusa a acreditar nos animais mágicos que seus
antepassados tanto temiam. Mesmo os trouxas que vêem excrementos de pocotó ou
rastros de lesmalenta — seria tolice supor que os vestígios de tais criaturas
sejam ocultáveis — parecem se satisfazer com a mais inconsistente das
explicações não-mágicas[2]. Se
algum trouxa tiver o pouco juízo de confidenciar a outros que viu um hipogrifo
voando para o norte, as pessoas em geral irão acreditar que ele bebeu ou está “variando”.
Por mais injusto que isso pareça para com o trouxa em questão, é melhor do que
ser queimado na fogueira ou afogado no laguinho do povoado.
Então, como é que a
comunidade bruxa esconde os animais fantásticos?
[2] Há um fascinante exame dessa feliz tendência dos trouxas em A filosofia do mundano: por que os trouxas preferem não saber, do Prof. Mordico Egg (Ed. Dust & Mildewe, 1963).
Por sorte algumas
espécies não precisam de muita ajuda para evitar serem vistos pelos trouxas.
Criaturas como o tebo, o seminviso e o tronquilho têm maneiras próprias e
extremamente eficientes de se camuflar, e nunca foi necessário o Ministério da
Magia intervir para ajudá-los. Por outro lado, há animais que, graças à
inteligência ou à timidez inata, evitam a todo custo o contato com os trouxas —
por exemplo, o unicórnio, o bezerro apaixonado e o centauro. Outras criaturas
mágicas habitam lugares inacessíveis aos trouxas — este é o caso da
acromântula, nas profundezas da floresta virgem de Bornéu, e da fênix, que faz
ninho nos picos de montanhas inalcançáveis sem usar magia alguma. Finalmente, o
que é mais comum, temos os animais que são pequenos demais, velozes demais ou
gostam demais de passar por animais mundanos e não atraem a atenção dos trouxas
— chizácaros, gira-giras e crupes pertencem a esta última categoria.
Ainda assim, há
animais em número suficiente que, seja ou não intencionalmente, continuam
visíveis até aos olhos trouxas, e são esses que geram uma quantidade
considerável de trabalho para o Departamento para Regulamentação e Controle das
Criaturas Mágicas. Esse Departamento, o segundo maior do Ministério da Magia[3], cuida
das variadas necessidades das muitas espécies sob sua responsabilidade, de
muitas maneiras diferentes.
[3] O maior Departamento do Ministério da Magia é o Departamento de Execução das Leis da Magia, ao qual os outros seis departamentos estão, de alguma forma, subordinados — com a possível exceção do Departamento de Mistérios.
Habitats Seguros
É possível que o passo
mais importante para ocultar as criaturas mágicas seja a criação de hábitats
seguros. Os Feitiços Antitrouxas impedem que invasores penetrem nas florestas,
onde centauros e unicórnios vivem, e nos lagos e rios designados para uso dos
Sereianos. Em casos extremos, como o do quintípede, áreas inteiras foram
tornadas imapeáveis[4]. Algumas
dessas áreas seguras precisam ser mantidas sob constante supervisão bruxa: por
exemplo, reservas de dragões. Enquanto unicórnios e Sereianos se contentam em
permanecer nos territórios destinados ao seu uso, os dragões aproveitam
qualquer oportunidade para sair à caça fora dos limites de suas reservas.
[4] Quando uma área territorial é tornada imapeável, é impossível traçá-la nos mapas.
Em alguns casos os
Feitiços Antitrouxas não funcionam, pois os poderes do próprio animal poderão
cancelá-los. Tal é o caso do cavalo-do-lago, cujo único objetivo na vida é
atrair para si seres humanos, e o do Pogrebin, que sai à procura deles.
Controle
de Vendas e Criação
A possibilidade de um
trouxa se assustar com quaisquer dos animais maiores e mais perigosos foi
grandemente reduzida pelas severas penas agora vinculadas à criação e venda de seus
ovos e filhotes. O Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas
Mágicas mantém uma vigilância rigorosa sobre o comércio de animais fantásticos.
A Proibição de Criação Experimental de 1965 tornou ilegal o desenvolvimento de
novas espécies.
Feitiço
Desilusório
O bruxo da rua também
tem sua participação no ocultamento dos animais mágicos. Aqueles que são donos
de hipogrifos, por exemplo, são obrigados por lei a encantar a fera com um
Feitiço Desilusório para distorcer a visão de qualquer trouxa que possa
surpreendê-lo. Os Feitiços Desilusórios devem ser realizados diariamente porque
seus efeitos costumam se desfazer.
Feitiços
da Memória
Quando o pior acontece
e um trouxa vê o que ele ou ela não deveria ver, o Feitiço da Memória talvez
seja o melhor instrumento para reparar o dano. O Feitiço da Memória pode ser
realizado pelo dono do animal em questão, mas em caso de trouxas terem sido
seriamente afetados, o Ministério da Magia pode enviar uma equipe de
obliviadores treinados.
A
Seção de Desinformação
A Seção de
Desinformação somente intervirá nos casos extremos de colisão magia-trouxa.
Algumas calamidades mágicas ou acidentes são simplesmente demasiado óbvios para
serem explicados pelos trouxas sem o auxílio de uma autoridade externa. Em tais
casos, a Seção de Desinformação entrará em contato direto com o Primeiro-Ministro
dos trouxas para buscar uma explicação não-mágica e plausível para o
acontecido. Os esforços ininterruptos dessa Seção em persuadir os trouxas de
que todas as provas fotográficas do cavalo-do-lago Ness são falsas já
produziram algum efeito no sentido de salvar uma situação que, no passado,
parecia extremamente perigosa.
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