quarta-feira, 5 de setembro de 2012

OS CONTOS DE BEEDLE, O BARDO




COMENTÁRIOS DE ALVO DUMBLEDORE SOBRE
“O Coração Peludo do Mago”


VIMOS ANTERIORMENTE que os dois primeiros contos de Beedle atraíram críticas por seus temas de generosidade, tolerância e amor. “O Coração Peludo do Mago”, no entanto, não parece ter sofrido alterações nem muitas críticas nas centenas de anos que transcorreram desde que foi escrito. A história, quando afinal a li nas runas originais, era quase exatamente igual à que minha mãe me contara. Dito isto, “O Coração Peludo do Mago” é de longe a mais horripilante das dádivas de Beedle, e muitos pais não a compartilham com os filhos até achar que eles têm idade suficiente para não ter pesadelos [1].

[1] Segundo registrou em seu próprio diário, Beatrix Bloxam jamais se recuperou do abalo de ter ouvido a tia contar essa história às suas primas mais velhas. “Por acaso, a minha orelhinha encostou no buraco da fechadura. Só posso imaginar que devo ter ficado paralisada de horror, uma vez que ouvi involuntariamente a repulsiva história, sem falar nos detalhes chocantes do caso muitíssimo imoral do meu Tio Nobby, a megera local e um saco de bulbos saltadores. O choque quase me matou, passei uma semana de cama e tão profundamente traumatizada que desenvolvi o hábito de andar durante o sono e toda noite espreitar à mesma fechadura, até que o meu querido pai, zelando pelo meu bem, pôs um Feitiço Adesivo na minha porta na hora de dormir”. Aparentemente, Beatrix não conseguiu uma maneira de adequar “O Coração Peludo do Mago” aos ouvidos sensíveis das crianças, pois jamais o reescreveu para “Os Contos do Chapéu-de-Sapo”.

Como explicar, então, a sobrevivência desse conto macabro? Eu argumentaria que “O Coração Peludo do Mago” sobreviveu intacto através dos séculos porque fala às profundezas sombrias do nosso ser. Aborda uma das tentações maiores e menos admissíveis em magia: a busca da invulnerabilidade. Naturalmente, tal busca é nada mais nada menos que uma vã fantasia. Nenhum homem ou mulher vivos, mágicos ou não, jamais escapou de alguma forma de lesão, seja física, seja mental ou emocional.
Ferir-se é tão humano quanto respirar. Apesar disso, nós bruxos parecemos particularmente favoráveis à ideia de que podemos dobrar a natureza da existência à nossa vontade.
O jovem mago[2] dessa história, por exemplo, conclui que a paixão afeta, adversamente, o seu conforto e segurança. Ele vê o amor como uma humilhação, uma fraqueza, um desperdício dos recursos materiais e emocionais de uma pessoa.

[2] [O termo “mago” usado para se referir ao protagonista desse conto é muito antigo. Embora seja intercambiável com “bruxo”, designou originalmente aquele que aprendeu as artes marciais e duelísticas próprias da magia. Era também um título concedido a bruxos que tivessem realizado feitos de bravura, tal como os trouxas são por vezes nomeados cavaleiros por atos de valor. Ao chamar o jovem bruxo dessa história de “mago”, Beedle indica que ele já era reconhecido por sua especial perícia em magia ofensiva. Em nossos dias, “mago” é usado de duas maneiras: na descrição de um bruxo de aparência excepcionalmente feroz, ou como um título indicativo de extraordinário talento ou realização. Assim, Dumbledore, um mago, é bruxo-presidente da Suprema Corte dos Bruxos. JKR]

Naturalmente, o comércio secular de poções de amor comprova que o nosso mago ficcional não está sozinho quando busca controlar o curso imprevisível do amor. A pesquisa para encontrar uma verdadeira poção do amor[3] tem continuado até os nossos dias, mas tal elixir ainda não foi criado, e eminentes preparadores de poções duvidam que isto seja possível.

[3] Hector Dagworth-Granger, fundador da Mui Extraordinária Sociedade dos Preparadores de Poções, explica: “Violentas paixonites podem ser induzidas por um competente preparador de poções, mas até hoje ninguém conseguiu criar o vínculo verdadeiramente incondicional, eterno, irrompível, o único que pode ser chamado de Amor”.

O herói desse conto, no entanto, não está sequer interessado em um simulacro de amor que ele possa criar ou destruir a seu bel-prazer. Quer permanecer imune àquilo que ele considera uma espécie de fraqueza e, portanto, executa um feitiço das trevas que não seria possível fora de um livro de histórias: guarda a sete chaves o seu coração. Muitos autores observaram a semelhança deste ato com a criação de uma Horcrux. Embora o herói de Beedle não esteja procurando evitar a morte, como Tom Riddle, está separando o que evidentemente não deve ser separado — o corpo e o coração — e, ao fazê-lo, infringe a primeira das Leis Fundamentais da Magia de Adalberto Waffling:

“Somente interfira com os mistérios mais profundos — a origem da vida, a essência do eu — se estiver preparado para enfrentar as consequências mais extremas e perigosas”.

E, efetivamente, ao procurar se tornar sobre-humano, esse jovem imprudente se torna inumano. O coração que ele guardou, escondido, lentamente murcha e cria pelos, simbolizando sua própria descida à animalidade. Finalmente, o bruxo é reduzido a um violento animal que arrebata o que quer à força, e morre na inútil tentativa de recuperar aquilo que, então, estava para sempre fora do seu alcance: um coração humano.
Embora um tanto antiquada, a expressão inglesa “ter um coração peludo” foi incorporada à linguagem cotidiana para descrever um bruxo ou bruxa frio ou insensível. Honória, minha tia solteirona, sempre alegou que desmanchara um noivado com um bruxo da Seção de Controle do Uso Indevido da Magia porque descobriu em tempo que “ele possuía um coração peludo” (corria, porém, o boato de que, na realidade, ela o surpreendera acariciando libidinosamente uns toletes [4], o que julgou  profundamente chocante).

 [4] Toletes são seres rosados, semelhantes a cogumelos cerdosos. É difícil entender por que alguém iria querer acariciá-los. Maiores informações em “Animais Fantásticos & Onde Habitam”.

Mais recentemente, o livro de autoajuda O Coração Peludo: Um Guia para Bruxos que não querem se Comprometer [5] encabeçou a lista dos mais vendidos.

[5] Não deve ser confundido com “Focinho peludo, Coração humano”, um relato comovente da luta de um homem contra a licantropia.








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