COMENTÁRIOS
DE ALVO DUMBLEDORE SOBRE
“O Coração Peludo do Mago”
VIMOS
ANTERIORMENTE que os dois primeiros contos de Beedle atraíram críticas por seus
temas de generosidade, tolerância e amor. “O
Coração Peludo do Mago”, no entanto, não parece ter sofrido alterações nem
muitas críticas nas centenas de anos que transcorreram desde que foi escrito. A
história, quando afinal a li nas runas originais, era quase exatamente igual à
que minha mãe me contara. Dito isto, “O
Coração Peludo do Mago” é de longe a mais horripilante das dádivas de
Beedle, e muitos pais não a compartilham com os filhos até achar que eles têm
idade suficiente para não ter pesadelos [1].
[1] Segundo registrou em seu próprio diário, Beatrix Bloxam jamais se recuperou do abalo de ter ouvido a tia contar essa história às suas primas mais velhas. “Por acaso, a minha orelhinha encostou no buraco da fechadura. Só posso imaginar que devo ter ficado paralisada de horror, uma vez que ouvi involuntariamente a repulsiva história, sem falar nos detalhes chocantes do caso muitíssimo imoral do meu Tio Nobby, a megera local e um saco de bulbos saltadores. O choque quase me matou, passei uma semana de cama e tão profundamente traumatizada que desenvolvi o hábito de andar durante o sono e toda noite espreitar à mesma fechadura, até que o meu querido pai, zelando pelo meu bem, pôs um Feitiço Adesivo na minha porta na hora de dormir”. Aparentemente, Beatrix não conseguiu uma maneira de adequar “O Coração Peludo do Mago” aos ouvidos sensíveis das crianças, pois jamais o reescreveu para “Os Contos do Chapéu-de-Sapo”.
Como explicar, então, a sobrevivência desse conto
macabro? Eu argumentaria que “O Coração
Peludo do Mago” sobreviveu intacto através dos séculos porque fala às
profundezas sombrias do nosso ser. Aborda uma das tentações maiores e menos
admissíveis em magia: a busca da invulnerabilidade. Naturalmente, tal busca é
nada mais nada menos que uma vã fantasia. Nenhum homem ou mulher vivos, mágicos
ou não, jamais escapou de alguma forma de lesão, seja física, seja mental ou
emocional.
Ferir-se é tão humano quanto respirar. Apesar
disso, nós bruxos parecemos particularmente
favoráveis à ideia de que podemos dobrar a natureza da existência à nossa
vontade.
O jovem mago[2] dessa
história, por exemplo, conclui que a paixão afeta, adversamente, o seu conforto
e segurança. Ele vê o amor como uma humilhação, uma fraqueza, um desperdício
dos recursos materiais e emocionais de uma pessoa.
[2] [O termo “mago” usado para se referir ao protagonista desse conto é muito antigo. Embora seja intercambiável com “bruxo”, designou originalmente aquele que aprendeu as artes marciais e duelísticas próprias da magia. Era também um título concedido a bruxos que tivessem realizado feitos de bravura, tal como os trouxas são por vezes nomeados cavaleiros por atos de valor. Ao chamar o jovem bruxo dessa história de “mago”, Beedle indica que ele já era reconhecido por sua especial perícia em magia ofensiva. Em nossos dias, “mago” é usado de duas maneiras: na descrição de um bruxo de aparência excepcionalmente feroz, ou como um título indicativo de extraordinário talento ou realização. Assim, Dumbledore, um mago, é bruxo-presidente da Suprema Corte dos Bruxos. JKR]
Naturalmente, o comércio secular de poções de amor
comprova que o nosso mago ficcional não está sozinho quando busca controlar o
curso imprevisível do amor. A pesquisa para encontrar uma verdadeira poção do amor[3] tem continuado até os nossos dias, mas tal elixir ainda
não foi criado, e eminentes preparadores de poções duvidam que isto seja
possível.
[3] Hector Dagworth-Granger, fundador da Mui Extraordinária Sociedade dos Preparadores de Poções, explica: “Violentas paixonites podem ser induzidas por um competente preparador de poções, mas até hoje ninguém conseguiu criar o vínculo verdadeiramente incondicional, eterno, irrompível, o único que pode ser chamado de Amor”.
O herói desse conto, no entanto, não está sequer
interessado em um simulacro de amor que ele possa criar ou destruir a seu
bel-prazer. Quer permanecer imune àquilo que ele considera uma espécie de
fraqueza e, portanto, executa um feitiço das trevas que não seria possível fora
de um livro de histórias: guarda a sete chaves o seu coração. Muitos autores
observaram a semelhança deste ato com a criação de uma Horcrux. Embora o herói
de Beedle não esteja procurando evitar a morte, como Tom Riddle, está separando
o que evidentemente não deve ser separado — o corpo e o coração — e, ao
fazê-lo, infringe a primeira das Leis Fundamentais da Magia de Adalberto
Waffling:
“Somente
interfira com os mistérios mais profundos — a origem da vida, a essência do eu
— se estiver preparado para enfrentar as consequências mais extremas e
perigosas”.
E, efetivamente, ao procurar se tornar
sobre-humano, esse jovem imprudente se torna inumano. O coração que ele
guardou, escondido, lentamente murcha e cria pelos, simbolizando sua própria
descida à animalidade. Finalmente, o bruxo é reduzido a um violento animal que
arrebata o que quer à força, e morre na inútil tentativa de recuperar aquilo
que, então, estava para sempre fora do seu alcance: um coração humano.
Embora um tanto antiquada, a expressão
inglesa “ter um coração peludo” foi
incorporada à linguagem cotidiana para descrever um bruxo ou bruxa frio ou insensível. Honória, minha tia solteirona, sempre alegou
que desmanchara um noivado com um bruxo da Seção de Controle do Uso Indevido da
Magia porque descobriu em tempo que “ele
possuía um coração peludo” (corria, porém, o boato de que, na realidade,
ela o surpreendera acariciando libidinosamente uns toletes [4], o que julgou profundamente chocante).
[4] Toletes são seres rosados, semelhantes a cogumelos cerdosos. É difícil entender por que alguém iria querer acariciá-los. Maiores informações em “Animais Fantásticos & Onde Habitam”.
Mais recentemente, o livro de autoajuda
O Coração Peludo: Um Guia para Bruxos que não querem se Comprometer [5]
encabeçou a lista dos mais vendidos.
[5] Não deve ser confundido com “Focinho peludo, Coração humano”, um relato comovente da luta de um homem contra a licantropia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Por favor, lembre-se, NÃO DEIXE SPOILERS nos comentários. Ajude a manter o suspense daqueles que ainda não leram os livros ou viram os filmes. Os comentários com Spoilers estarão sujeito à exclusão.