quarta-feira, 12 de setembro de 2012

OS CONTOS DE BEEDLE, O BARDO




COMENTÁRIOS DE ALVO DUMBLEDORE SOBRE
“O Conto dos Três Irmãos”


QUANDO EU ERA CRIANÇA essa história me causou uma profunda impressão. Ouvi-a primeiramente contada por minha mãe, e logo tornou-se o conto que eu pedia com mais frequência na hora de dormir. Isto sempre provocava discussões com o meu irmão mais novo, Aberforth, cuja história favorita era “Bodalhão, o Bode Resmungão”.
A moral de “O Conto dos Três Irmãos” não poderia ser mais clara: os esforços humanos para evadir ou superar a morte estão sempre fadados ao desapontamento. O terceiro irmão da história (“o mais humilde e também o mais sábio”) é o único que compreende isso, pois, tendo escapado uma vez da morte, por um triz, o melhor que poderia esperar era adiar o próximo encontro o máximo possível. O mais moço sabe que zombar da Morte — envolver-se em violência, como o primeiro irmão, ou ocupar-se da sombria arte da necromancia[1], como o segundo irmão — significa medir forças com um inimigo ardiloso que não pode perder.

[1] [Necromancia é a magia negra que ressuscita os mortos. É um ramo da magia que nunca teve sucesso, como a nossa história deixa bem claro. JKR]

A ironia é que se formou uma curiosa lenda em torno dessa história, que contradiz exatamente a mensagem original. A lenda argumenta que os prêmios que a Morte dá aos irmãos — uma varinha imbatível, uma pedra capaz de ressuscitar os mortos e uma capa da Invisibilidade imperecível — são objetos verdadeiros que existem no mundo real. E vai além: se alguém vem a se tornar o legítimo possuidor dos três, torna-se então “Senhor da Morte”, o que tem sido comumente entendido que será invulnerável, e mesmo imortal.
Podemos rir com uma certa tristeza do que isto nos diz da natureza humana. A interpretação mais caridosa seria: “A esperança brota eternamente”[2]. Ainda que, segundo Beedle, dois desses três objetos sejam extremamente perigosos, e sua clara mensagem é que, no fim, a Morte virá nos buscar, uma minoria na comunidade bruxa insiste em acreditar que Beedle estava lhes enviando uma mensagem cifrada, dizendo exatamente o inverso do que escreveu à tinta, mensagem esta que somente eles são suficientemente inteligentes para entender.

[2] [A citação demonstra que Alvo Dumbledote era não só excepcionalmente instruído em termos de bruxaria, como também familiarizado com os escritos do poeta trouxa Alexander Pope. JKR]

Tal teoria (ou talvez “desesperada esperança” seja o termo mais preciso) é respaldada por pouquíssimas provas reais. É verdade que a Capa da Invisibilidade, embora rara, existe em nosso mundo, contudo, a história deixa claro que a Capa da Morte é de uma durabilidade ímpar[3]. Durante os muitos séculos que medeiam a época de Beedle e a nossa, ninguém jamais afirmou ter encontrado a Capa da Morte. A explicação dos verdadeiros crentes é a seguinte: ou os descendentes do terceiro irmão desconhecem a origem da capa, ou a conhecem e estão resolvidos a comprovar a sabedoria do seu antepassado, não alardeando esse fato.

[3] [As Capas da Invisibilidade não são, em geral, infalíveis. Podem rasgar ou se tornar opacas com a idade, ou os feitiços nela lançados podem enfraquecer, ou ser anulados por Feitiços de Revelação. É por isso que os bruxos habitualmente recorrem, no primeiro caso, aos Feitiços da Desilusão para se camuflarem ou se ocultarem. Alvo Dumbledore era conhecido por sua capacidade de executar um Feitiço da Desilusão tão poderoso que se tornava invisível sem recorrer à capa. JKR]

Muito naturalmente, a pedra tampouco foi encontrada. Observei anteriormente, ao comentar “Babbitty, a Coelha, e seu Toco Gargalhante”, que continuamos incapazes de ressuscitar os mortos, e temos todas as razões para supor que isto jamais acontecerá. Vis substituições foram naturalmente ensaiadas pelos bruxos das trevas criadores dos Inferi[4], que são apenas fantoches, e não seres humanos de fato ressuscitados. Acresce que a história de Beedle é muito explícita quanto ao fato de que o amor perdido do segundo irmão nunca ressurgiu realmente dos mortos. Foi enviado pela Morte para atrair o segundo irmão às suas garras e, portanto, manteve-se fria, distante, tantalizantemente presente e ausente[5].

[4] [Inferi são cadáveres reanimados por magia negra. JKR]

[5] Muitos críticos acreditam que Beedle se inspirou na Pedra Filosofal, elemento essencial do Elixir da Vida que induz a imortalidade, quando criou essa pedra capaz de ressuscitar os mortos.

Resta-nos, então, a varinha, e aqui os que se obstinam em acreditar na mensagem secreta de Beedle têm pelo menos indícios históricos para fundamentar suas delirantes suposições. Seja porque gostem de se vangloriar ou intimidar seus possíveis adversários, seja porque realmente acreditam no que dizem — o fato é que os bruxos há séculos afirmam possuir uma varinha mais poderosa do que qualquer outra, até mesmo uma varinha “invencível”, a Varinha das Varinhas.
Alguns chegaram ao exagero de alegar que sua varinha é feita de sabugueiro, como a que a Morte supostamente fabricou. Tais objetos receberam nomes, entre os quais “a Varinha do Destino” e “a Varinha da Morte”.
Não admira que velhas superstições tenham se desenvolvido em torno de nossas varinhas, que são, afinal, nossas ferramentas e armas mágicas mais importantes.
Algumas (e, portanto, seus donos) são supostamente incompatíveis:

Se a varinha dele é carvalho, e a dela, azevinho
Casarem-se os dois será um descaminho

Ou indicam falhas no caráter:

Castanheiro preguiçoso, sorveira falastrona
freixo queixo-duro, aveleira resmungona.

E, com efeito, nessa categoria de máximas sem comprovação encontramos:

Varinha de sabugueiro, azar o ano inteiro.

Seja porque a Morte fabrica a varinha ficcional com sabugueiro na história de Beedle, seja porque os bruxos sedentos de poder ou violentos têm persistentemente afirmado que suas varinhas são feitas de sabugueiro, esta madeira não goza da preferência dos fabricantes de varinhas.
A primeira alusão bem documentada a uma varinha de sabugueiro dotada de poderes particularmente fortes e perigosos foi àquela que pertenceu a Emerico, cognominado “o Mal”, um bruxo de vida curta, mas excepcionalmente agressivo, que aterrorizou o sul da Inglaterra no início da Idade Média. Morreu como tinha vivido, em um encarniçado duelo com outro bruxo conhecido por Egberto. Ignora-se que fim levou Egberto, embora a expectativa de vida dos duelistas medievais fosse geralmente baixa. Nos tempos anteriores à criação de um Ministério da Magia para regular o uso da magia negra, os duelos eram geralmente fatais.
Um século depois, outro personagem desagradável, de nome Godelot, expandiu o estudo da magia negra registrando uma coleção de feitiços perigosos, com o auxílio de uma varinha descrita como “mia amijga mas maluada e sottill, cum coorpo de sabugueiro, que conhece camijnhos de magia mui maligna” (Magia mui maligna se tornou o título da obra-prima de Godelot).
Como podemos observar, Godelot considera sua varinha uma colaboradora, quase uma instrutora. Aqueles que estão familiarizados com as tradições das varinhas[6],concordarão que elas realmente absorvem o conhecimento de quem as usa, embora tal processo seja imprevisível e imperfeito. É preciso levar em consideração todo tipo de fatores adicionais, tais como as relações entre a varinha e seu usuário, para compreender a eficiência do seu desempenho com determinado indivíduo.

[6] Como eu.

Ainda assim, é provável que uma varinha hipotética que tenha passado pelas mãos de muitos bruxos das trevas teria, no mínimo, uma marcada afinidade pelos tipos de magia mais perigosos que há.
A maioria dos bruxos prefere uma varinha que os tenha “escolhido” a qualquer outra de segunda mão, precisamente porque esta última terá adquirido hábitos do seu dono anterior que podem não ser compatíveis com o estilo de magia do novo dono. A prática comum de enterrar (ou queimar) a varinha com o seu dono, quando ele morre, também contribui para impedir que uma varinha aprenda com numerosos mestres. Os que acreditam na varinha de sabugueiro, no entanto, sustentam que, dada a maneira com que ela sempre transferiu sua lealdade entre donos — o próximo superando o anterior, em geral matando-o — a varinha de sabugueiro nunca foi destruída nem enterrada, antes sobreviveu para acumular sabedoria, força e poder muito além do normal.
Sabe-se que Godelot pereceu em seu próprio porão, onde foi trancafiado pelo filho demente, Hereward. É de se supor que o filho tenha se apossado da varinha do pai, ou este último teria conseguido fugir, mas que destino Hereward terá dado à varinha não sabemos ao certo. Sabemos, sim, que uma varinha chamada “Varinha de Eldrun” por seu dono, Barnabás Deverill, surgiu no início do século XVIII, e que este bruxo a usou para talhar sua reputação de guerreiro temível, até seu reino de terror ser encerrado pelo igualmente notório Loxias, que lhe tomou a varinha e a rebatizou de “a Varinha da Morte”, usando-a para destruir qualquer um que o desagradasse. É difícil acompanhar a trajetória subsequente da varinha de Loxias, pois muitos alegam tê-lo matado, inclusive a própria mãe.
O que deve ocorrer a qualquer bruxo inteligente que estude a pretensa história da Varinha das Varinhas é que todo homem que afirme ter sido seu dono[7] insistiu em sua “invencibilidade”, quando os fatos que se conhecem sobre sua passagem pelas mãos de muitos donos demonstram não só que ela foi vencida centenas de vezes, como atraiu tanta confusão quanto Bodalhão, o Bode Resmungão, atraía moscas.

[7] Nenhuma bruxa jamais afirmou ter sido dona da Varinha das Varinhas. Extraiam disso a conclusão que quiserem

Em última análise, a busca pela Varinha das Varinhas corrobora uma observação que tive oportunidade de fazer muitas vezes no curso de minha longa vida: que os humanos têm um pendor para escolher precisamente as coisas que lhes fazem mal.
Qual de nós, porém, teria revelado a sabedoria do terceiro irmão, se lhe fosse oferecido escolher o melhor presente da Morte? Bruxos e trouxas são igualmente imbuídos de sede de poder. Quantos teriam resistido à “Varinha do Destino”? Que ser humano, tendo perdido um ente amado, poderia resistir à tentação da Pedra da Ressurreição?
Mesmo eu, Alvo Dumbledore, acharia mais fácil recusar a Capa da Invisibilidade, o que prova apenas que, esperto como sou, continuo sendo um bobalhão tão grande quanto os demais.






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