COMENTÁRIOS DE ALVO DUMBLEDORE SOBRE
“Babbitty, a Coelha, e seu Toco Gargalhante”
A
HISTÓRIA DE “Babbitty, a Coelha, e seu
Toco Gargalhante” é, sob muitos aspectos, o conto de Beedle mais “real”, na
medida em que a magia descrita na história está quase totalmente de acordo com
as conhecidas leis da magia.
Foi graças a essa história que muitos de nós
descobrimos que a magia não podia ressuscitar os mortos, o que foi um grande
desapontamento e um choque, convencidos que estávamos na infância de que nossos
pais seriam capazes de acordar os nossos ratos e gatos com um aceno de varinha.
E, embora tenham transcorrido uns seis séculos desde que Beedle escreveu esse
conto, e desde então tenhamos concebido inúmeras maneiras de manter a ilusão da
presença continuada dos entes que amamos[1], os
bruxos ainda não descobriram como juntar corpo e alma uma vez que a morte ocorra.
[1] [As fotos e os retratos de bruxos têm movimentos e (no caso destes últimos) falam como seus personagens. Outros objetos raros, como o Espelho de Ojesed, podem também refletir mais do que uma imagem estática de alguém querido que perdemos. Os fantasmas são versões transparentes, dinâmicas, falantes e pensantes dos bruxos e bruxas que desejaram, por alguma razão, permanecer na terra. JKR]
Diz o eminente filósofo bruxo Bertrand de
Pensées-Profondes em sua famosa obra “Um estudo da possibilidade de reverter os
efeitos metafísicos e reais da morte natural, com especial atenção à
reintegração da essência com a matéria”: “Desistam. Isto jamais
acontecerá”.
O conto de Babbitty, a Coelha, porém, nos oferece
uma das primeiras menções literárias a um animago, pois Babbitty, a lavadeira,
é dotada dessa rara habilidade mágica de se transformar em animal, quando quer.
Os animagos formam uma pequena fração da população bruxa. Atingir a
transformação perfeita e espontânea de humano para animal exige muito estudo e
prática, e muitos bruxos consideram que seu tempo pode ser melhor empregado em
outras atividades.
Certamente, a aplicação de tal talento é limitada a
não ser que a pessoa tenha grande necessidade de se disfarçar ou se ocultar.
Por esta razão, o Ministério da Magia insiste em registrar os animagos, pois
não resta dúvida de que tal tipo de feitiço tem maior utilidade para aqueles
que se dedicam a atividades sub-reptícias, secretas ou até criminosas[2].
[2] [A professora McGonagall, Diretora de Hogwarts, me pediu que esclarecesse que ela se tornou um animago em decorrência de suas extensas pesquisas em todos os campos da Transfiguração, e que jamais usou sua habilidade de se transformar em gato com nenhum objetívo sub-reptício, à exceção das atividades legais em favor da Ordem da Fênix, nas quais o sigilo e o disfarce eram imperativos. JKR]
É duvidoso que algum dia tenha havido uma lavadeira
capaz de se transformar em coelha, entretanto, alguns historiadores da magia
têm sugerido que Beedle criou Babbitty à feição da famosa francesa Lisette de
Lapin, que foi condenada por feitiçaria em Paris, em 1422. Para assombro dos
seus carcereiros trouxas, que mais tarde foram julgados por ajudar a bruxa a
escapar, Lisette sumiu de sua cela prisional na véspera de sua execução. Embora
nunca tenha se provado que Lisette fosse um animago que conseguiu se espremer
entre as grades da janela de sua cela, subsequentemente, um grande coelho
branco foi avistado atravessando o Canal da Mancha em um caldeirão equipado com
uma vela, e um coelho semelhante tornou-se mais tarde conselheiro de confiança
na corte do Rei Henrique VI[3].
[3] Isto pode ter contribuído para a reputação de instabilidade mental daquele rei trouxa.
O rei na história de Beedle é um trouxa imbecil
que, ao mesmo tempo, cobiça e teme a magia. Ele acredita que pode se tornar
bruxo simplesmente aprendendo encantamentos e agitando uma varinha[4].
[4] Conforme demonstraram as intensas pesquisas do Departamento de Mistérios que remontam a 1672, bruxos nascem feitos. Ainda que a habilidade fortuita de realizar mágicas ocorra em pessoas que aparentemente descendem de não-bruxos (e embora vários estudos sugiram que terá sempre havido alguém bruxo em sua árvore genealógica), trouxas não podem realizar mágicas. O melhor — ou pior — a que poderiam aspirar são eleitos aleatórios e não controláveis gerados por uma varinha mágica genuína, que, sendo um instrumento supostamente canalizador de magia, retém, por vezes, um poder residual que pode descarregar em um dado momento — veja também as notas sobre a tradição das varinhas em “O Conto dos Três Irmãos”.
Ignora inteiramente a verdadeira natureza da magia e dos bruxos, e, portanto,
engole as absurdas sugestões tanto do charlatão quanto de Babbitty. Tal atitude
é típica de um determinado tipo de mentes trouxas: em sua ignorância, estão
prontas a aceitar toda sorte de impossibilidades a respeito da magia, inclusive
as hipóteses de que Babbitty se transforme em uma árvore que ainda pode pensar
e falar.
Neste ponto, vale ainda notar que, embora Beedle
use o artifício de fazer uma árvore falar para ressaltar como o rei trouxa é
ignorante, ele nos pede também para acreditar que Babbitty é capaz de falar
enquanto coelho. Isto poderia ser uma licença poética, mas acho mais provável
que Beedle tenha ouvido falar de animagos sem jamais
ter conhecido um, porque esta é a única liberdade que ele toma em relação às
leis da magia em sua história.
Os animagos não retêm o poder da fala humana
enquanto sob a forma animal, embora conservem a capacidade humana de
raciocinar. Isto, como qualquer escolar sabe, é a diferença fundamental entre
ser animago e se transfigurar em animal. Neste último caso, a pessoa se
transforma inteiramente em um animal e, em consequência, desconhece a magia,
perde a consciência de ter sido bruxo, e precisaria de alguém que o
transfigurasse em sua forma original.
Creio ser possível que, ao preferir que sua heroína
finja se transformar em árvore e ameace o rei com a dor de uma machadada no
próprio corpo, Beedle tenha se inspirado em tradições e práticas reais da magia.
As árvores com madeira apropriada para varinhas
sempre foram ferozmente protegidas por seus fabricantes, que cuidam delas, e
quando alguém as corta para roubá-las, se
arrisca a expor-se não apenas à malícia dos tronquilhos[5] que normalmente fazem seus ninhos ali, como também a
efeitos adversos dos Feitiços de Proteção com que seus donos as cercaram. Na
época de Beedle, a Maldição Cruciatus ainda não tinha sido declarada ilegal
pelo Ministério da Magia[6], e poderia ter produzido a exata sensação que
Babbitty usa para ameaçar o rei.
[5] Para a descrição completa desses pequenos e curiosos habirantes das árvores, veja Animais fantásticos & onde habitam.
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