— SINOPSE —
HARRY POTTER parecia um garoto normal que frequentava a escola local, morava com os tios numa casa igual a muitas outras num bairro comum, até que um dia recebeu uma carta dizendo que ele era um BRUXO. Agora Harry vai viver muitas aventuras em Hogwarts, uma escola de magia, fazer novos amigos e enfrentar o terrível Lorde Voldemort.
— CAPÍTULO UM —
O MENINO QUE SOBREVIVEU
O MENINO QUE SOBREVIVEU
O SR. E A SRA. DURSLEY, da Rua dos Alfeneiros, nº. 4, se orgulhavam de dizer que eram perfeitamente normais, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que se esperaria que se metessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobagem.
O Sr. Dursley era diretor de uma firma chamada Grunnings, fazia perfurações.
Era um homem alto e corpulento quase sem pescoço, embora tivesse enormes
bigodes. A Sra. Dursley era loura e tinha um pescoço quase duas vezes mais
comprido que o normal o que era muito útil porque ela passava grande parte do
tempo espichando-o por cima da cerca do jardim para espiar os vizinhos. Os
Dursley tinham um filhinho chamado Dudley, o Duda, e em sua opinião não havia
garoto melhor em nenhum lugar do mundo. Os Dursley tinham tudo que queriam, mas
tinham também um segredo, e seu maior receio era que alguém o descobrisse.
Achavam que não iriam agüentar se alguém descobrisse a existência dos Potter.
A Sra. Potter era irmã da Sra. Dursley, mas não se
viam há muitos anos, na realidade a Sra. Dursley fingia que não tinha irmã,
porque esta e o marido imprestável eram o que havia de menos parecido possível
com os Dursley. Eles estremeciam só de pensar o que os vizinhos iriam dizer se
os Potter aparecessem na rua. Os Dursley sabiam que os Potter tinham um
filhinho também, mas nunca o tinham visto. O garoto era mais uma razão para
manter os Potter à distância, eles não queriam que Duda se misturasse com uma criança
daquelas.
Quando o Sr. e a Sra. Dursley acordaram na Terça-Feira
monótona e cinzenta em que a nossa história começa, não havia nada no céu
nublado lá fora sugerindo as coisas estranhas e misteriosas que não tardariam a
acontecer por todo o país.
O Sr. Dursley cantarolava ao escolher a gravata mais
sem graça do mundo para ir trabalhar e a Sra. Dursley fofocava alegremente
enquanto lutava para encaixar um Duda aos berros na cadeirinha alta. Nenhum
deles reparou em uma coruja parda que passou, batendo as asas, pela janela.
Às oito e meia, o Sr. Dursley apanhou a pasta, deu um
beijinho no rosto da Sra. Dursley e tentou dar um beijo de despedida em Duda,
mas não conseguiu, porque na hora Duda estava tendo um acesso de raiva e
atirava o cereal nas paredes.
— Pestinha —
disse rindo contrafeito o Sr. Dursley ao sair de casa. Entrou no carro e deu
marcha à ré para sair do estacionamento do número quatro.
Foi na esquina da rua que ele notou o primeiro indício
de que algo estranho ocorria: um gato lia um mapa. Por um instante o Sr.
Dursley não percebeu o que vira, em seguida virou rapidamente a cabeça para dar
uma segunda olhada.
Havia um gato de listras amarelas, sentado na esquina
da Rua dos Alfeneiros, mas não havia nenhum mapa à vista. Em que estaria
pensando naquela hora? Devia ter sido um efeito da luz.
Ele piscou e arregalou os olhos para o gato.
O gato o encarou.
Enquanto virava a esquina e subia a rua, espiou o gato
pelo espelho retrovisor. Ele agora estava lendo a placa que dizia Rua dos
Alfeneiros — não, não estava olhando a placa: gatos não podiam ler mapas nem
placas.
O Dr. Dursley sacudiu a cabeça e tirou o gato do
pensamento.
Durante o caminho para a cidade ele não pensou em mais
nada exceto no grande pedido de brocas que tinha esperanças de receber naquele
dia, mas ao sair da cidade, as brocas foram varridas de sua cabeça por outra
coisa.
Ao parar no costumeiro engarrafamento matinal, não
pode deixar de notar que havia uma quantidade de gente estranhamente vestida
andando pelas ruas. Gente com capas largas. O Sr. Dursley não tolerava gente
que andava com roupas ridículas, os trapos que se viam nos jovens! Imaginou que
aquilo fosse uma nova moda idiota. Tamborilou os dedos no volante e seu olhar
recaiu em um grupinho de excêntricos parados bem perto dele. Cochichavam
excitados. O Sr. Dursley se irritou ao ver que alguns deles nem eram jovens,
ora, aquele homem devia ser mais velho do que ele, e usava uma capa
verde-esmeralda! Que petulância! Mas então ocorreu ao Sr. Dursley que se
tratava provavelmente de alguma promoção boba, essas pessoas estavam obviamente
arrecadando alguma coisa... é, devia ser isto!
O tráfego avançou e alguns minutos depois o Sr.
Dursley chegou ao estacionamento da Grunnings, o pensamento de volta às brocas.
O Sr. Dursley sempre sentava de costas para a parede
em seu escritório no nono andar. Se não o fizesse, talvez tivesse achado mais
difícil se concentrar em brocas aquela manhã. Ele não viu as corujas que voavam
velozes em plena luz do dia, embora as pessoas na rua as vissem, elas apontavam
e se espantavam enquanto um bando de corujas passava no alto. A maioria jamais
vira uma mesmo à noite. O Sr. Dursley, porém, teve uma manhã normal sem
corujas. Gritou com cinco pessoas diferentes. Deu vários telefonemas importantes
e gritou mais um pouco. Estava de excelente humor até a hora do almoço, quando
pensou em esticar as pernas e atravessar a rua para comprar um pãozinho doce na
padaria defronte.
Esquecera completamente as pessoas de capas até passar
por um grupo delas próximo à padaria. Olhou-as com raiva ao passar. Não sabia o
porquê, mas elas o deixavam nervoso. Essas cochichavam também, mas ele não viu
nenhuma latinha de coleta. Foi ao passar por elas na volta, levando uma grande
rosca açucarada que entreouviu algumas palavras do que diziam.
—... Os Potter, é verdade, foi o que ouvi...
—... É, o filho deles, Harry...
O Sr. Dursley parou de repente. O medo invadiu-o.
Virou a cabeça para olhar as pessoas que cochichavam como se quisesse dizer
alguma coisa, mas pensou melhor.
Atravessou a rua depressa, correu para o escritório,
disse rispidamente à secretária que não o incomodasse, agarrou o telefone e
quase terminara de discar o número de casa quando, mudou de idéia. Pôs o fone
no gancho e alisou os bigodes pensando... Não, estava agindo como um idiota.
Potter não era um nome tão fora do comum assim. Tinha certeza de que havia
muita gente chamada Potter com um filho chamado Harry. Pensando bem nem sequer
tinha certeza de que o sobrinho tivesse o nome de Harry. Jamais viu o menino.
Talvez fosse Ernesto. Ou Eduardo. Não tinha sentido preocupar a Sra. Dursley,
ela sempre ficava tão perturbada à simples menção da irmã. Não a culpava, se
ele tivesse uma irmã como aquela... mas mesmo assim aquelas pessoas de capas...
Achou bem mais difícil se concentrar nas brocas aquela
tarde e quando deixou o edifício às cinco horas, continuava tão preocupado que
deu um encontrão em alguém parado ali à porta.
— Desculpe — murmurou, quando o velhinho cambaleou e
quase caiu.
Levou alguns segundos até o Sr. Dursley perceber que o
homem estava usando uma capa roxa. Não parecia nada aborrecido por ter sido
quase jogado ao chão. Ao contrário, seu rosto se abriu em um largo sorriso e
ele disse numa voz esganiçada que fez os passantes olharem:
— Não precisa pedir desculpas, caro senhor, porque
nada poderia me aborrecer hoje! Alegre-se! Porque o Você-Sabe-Quem finalmente
foi-se embora! Até trouxas como o senhor deviam estar comemorando um dia tão
feliz!
E o velho abraçou o Sr. Dursley pela cintura e se
afastou.
O Sr. Dursley ficou pregado no chão. Fora abraçado por
um completo estranho. E também achava que fora chamado de trouxa, o que quer
que isso quisesse dizer.
Estava abalado. Correu para o carro e partiu para
casa, esperando que estivesse imaginando coisas, o que nunca esperara que
fizesse, porque não aprovava a imaginação.
Quando entrou no estacionamento do número quatro, a
primeira coisa que viu, e isso não melhorou o seu estado de espírito, foi o
gato listrado que notara aquela manhã. Agora ele estava sentado no muro do
jardim. Tinha certeza de que era o mesmo, as marcas em volta dos olhos eram as
mesmas.
— Chispa! — disse o Sr. Dursley em voz alta.
O gato não se mexeu. Apenas lançou-lhe um olhar
severo. Será que isto era um comportamento normal para um gato, pensou o Sr.
Dursley. Continuava decidido a então não comentar nada com a esposa.
A Sra. Dursley tivera um dia normal e agradável.
Contou-lhe durante o jantar os problemas da senhora do lado com a filha e ainda
que Duda aprendera uma palavra nova (Nunca).
O Sr. Dursley tentou agir normalmente. Depois que Duda
foi se deitar, ele chegou à sala em tempo de ouvir o último noticiário noturno.
— “E, por
último, os observadores de pássaros em toda parte registraram que as corujas do
país se comportaram de forma muito estranha hoje. Embora elas normalmente cacem
a noite e raramente apareçam à luz do dia, centenas desses pássaros foram visto
hoje voando em todas as direções desde o alvorecer. Os especialistas não sabem
explicar por que as corujas de repente mudaram o seu padrão de sono”.
O locutor se permitiu um sorriso.
— “Muito misterioso.
E agora, com Jorge Mendes, o nosso boletim meteorológico. Vai haver mais
tempestades de corujas, hoje à noite, Jorge?”
— “Bom, Eduardo”,
disse o meteorologista, “Não sei lhe
dizer, mas não foram só as corujas que se comportaram de modo estranho hoje,
ouvintes de todo o país têm telefonado para reclamar que em vez do aguaceiro
que prometi para ontem, eles tem tido chuvas de estrelas! Talvez alguém ande
festejando a noite das fogueiras uma semana mais cedo este ano! Mas posso
prometer para hoje uma noite chuvosa”.
O Sr. Dursley ficou paralisado na poltrona. Estrelas
cadentes em todo o país? Corujas voando durante o dia? Gente misteriosa de
capas por todo lado? E um cochicho, um cochicho a respeito dos Potter...
A Sra. Dursley entrou na sala trazendo duas xícaras de
chá.
Não adiantava. Teria que lhe dizer alguma coisa.
Pigarreou nervoso.
— Hum, hum, Petúnia, querida, você não tem tido
notícias de sua irmã ultimamente?
Conforme esperava, a Sra. Dursley pareceu chocada e
aborrecida. Afinal, normalmente fingiam que ela não tinha irmã.
— Não — respondeu ela, seca — Por quê?
— Uma notícia engraçada — murmurou o Sr. Dursley —
Corujas... estrelas cadentes e vi uma porção de gente de aparência estranha na
cidade hoje...
— E daí? — cortou a Sra. Dursley.
— Bem, pensei, talvez, tivesse alguma ligação com...
sabe... o pessoal dela.
A Sra. Dursley bebericou o chá com os lábios
contraídos. O Sr. Dursley ficou em dúvida se teria coragem de lhe contar que
ouvira o nome “Potter”. Decidiu que não. Em vez disso, falou com a voz mais
displicente que pode:
— O filho deles, teria mais ou menos a idade do Duda
agora, não?
— Suponho que sim — respondeu a Sra. Dursley ainda
seca.
— Como é mesmo o nome dele? Ernesto, não é?
— Harry. Um
nome feio e vulgar se quer saber minha opinião.
— Ah, é — disse o Sr. Dursley, sentindo um aperto
horrível no coração — E, concordo com você.
Não disse mais nenhuma palavra sobre o assunto a
caminho do quarto onde foram se deitar. Enquanto a Sra. Dursley estava no
banheiro, o Sr. Dursley foi devagarinho até a janela e espiou o jardim da casa.
O gato continuava lá. Observava o começo da Rua dos Alfeneiros como se
esperasse alguma coisa. Estaria imaginando coisas? Será que tudo isto teria
ligação com os Potter? Tinha-se... se transpirasse que eram aparentados como um
casal de... bem ele achava que não agüentaria.
Os Dursley se deitaram. A Sra. Dursley, adormeceu
logo, mas o Sr. Dursley continuou acordado pensando no que acontecera. Seu
último consolo antes de adormecer foi pensar que mesmo que os Potter estivessem
envolvidos, não havia razão para se aproximarem dele e da Sra. Dursley. Os
Potter sabiam muito bem o que pensavam deles e de gente de sua laia... não via
como ele e Petúnia poderiam se envolver com nada que estivesse acontecendo. O
Sr. Dursley bocejou e se virou. Isso não poderia afetá-los...
Como estava enganado.
O Sr. Dursley talvez estivesse mergulhando em um sono
inquieto, mas o gato no muro lá fora não mostrava sinais de sono, continuava
sentado imóvel como uma estátua, os olhos fixos na esquina mais distante da Rua
dos Alfeneiros. E nem sequer estremeceu quando uma porta de carro bateu na rua
seguinte, nem mesmo quando duas corujas mergulharam do alto. Na verdade, era
quase meia-noite quando o gato se mexeu.
Um homem apareceu na esquina que o gato estivera
vigiando. Apareceu tão súbita e silenciosamente que se poderia pensar que
tivesse saído do chão. O rabo do gato mexeu ligeiramente e seus olhos se
estreitaram.
Ninguém jamais vislumbrara nada parecido com este
homem na Rua dos Alfeneiros. Era alto, magro e muito velho a julgar pelo
prateado dos seus cabelos e de sua barba, suficientemente longos para prender
no cinto. Usava vestes longas, uma capa púrpura que arrastava pelo chão e botas
com saltos altos e fivelas. Seus olhos azuis eram claros, luminosos e
cintilantes por trás dos óculos em meia-lua e o nariz, muito comprido e torto,
como se o tivesse quebrado pelo menos duas vezes. O nome dele era Alvo
Dumbledore.
Alvo Dumbledore não parecia ter consciência de que
acabara numa rua onde tudo, desde o seu nome às suas botas, era malvisto.
Estava ocupado apalpando a capa, procurando alguma coisa. Mas parecia ter
consciência de que estava sendo vigiado, porque ergueu a cabeça de repente para
o gato, que continuava a fitá-lo da outra ponta da rua. Por algum motivo, a
visão do gato pareceu diverti-lo. Deu uma risadinha e murmurou:
— Eu devia ter imaginado.
Encontrou o que procurava no bolso interior da capa, parecia
um isqueiro de prata. Abriu-o, ergueu-o no ar e ascendeu. O lampião de rua mais
próximo apagou-se com um estalido seco. Ele fez de novo, o lampião seguinte
piscou e apagou, doze vezes ele acionou o “apagueiro”, até que as únicas luzes
acesas na rua eram dois pontinhos minúsculos ao longe, os olhos do gato que os
vigiava. Se alguém espiasse pela janela agora, até a Sra. Dursley, de olhos de
contas, não conseguira ver nada que estava acontecendo na calçada. Dumbledore
tornou a guardar o “apagueiro” na capa
e saiu caminhando pela rua em direção ao número quatro, onde se sentou no muro
ao lado do gato. Não para olhar para o bicho, mas, passado algum tempo,
dirigiu-se a ele.
— Imaginava encontrar a senhora aqui, Professora
Minerva McGonagall.
E virou-se para sorrir para o gato, mas este
desaparecera. Ao invés dele, viu-se sorrindo para uma mulher de aspecto severo
que usava óculos de lentes quadradas exatamente do formato das marcas que o
gato tinha em volta dos olhos. Ela, também, usava uma capa esmeralda. Trazia os
cabelos negros presos num coque apertado. E parecia decididamente irritada.
— Como soube que era eu? — perguntou.
— Minha cara professora, nunca vi um gato se sentar
tão duro.
— O senhor estaria duro se tivesse passado o dia todo
sentado em um muro de pedra — respondeu a Professora McGonagall.
— O dia todo? Quando podia estar comemorando? Devo ter
passado por mais de dez festas e banquetes a caminho daqui.
A professora fungou aborrecida.
— Ah sim, vi que todos estão comemorando — disse
impaciente — Era de esperar que fossem um pouco mais cautelosos, mas não, até
os trouxas notaram que alguma coisa estava acontecendo. Deu no telejornal — ela
indicou com a cabeça a sala às escuras dos Dursley — Eu ouvi... bandos de
corujas... estrelas cadentes... ora, eles não são completamente idiotas. Não
podiam deixar de notar alguma coisa. Estrelas cadentes em Kent, aposto que foi
coisa de Dédalo Diggle. Ele nunca teve muito juízo.
— Você não pode culpá-los — ponderou Dumbledore
educadamente — Temos tido muito pouco o que comemorar nos últimos onze anos.
— Sei disso — retrucou a professora mal-humorada — Mas
não é razão para perdermos a cabeça. As pessoas estão sendo completamente
descuidadas, saem as ruas em plena luz do dia, sem nem ao menos vestir roupa de
trouxa, e espalham boatos.
De esguelha, lançou um olhar atento a Dumbledore, como
se esperasse que ele dissesse alguma coisa, mas ele continuou calado, por isso
ela recomeçou:
— Ia ser uma graça se, no próprio dia em que
Você-Sabe-Quem parece ter finalmente ido embora, os trouxas descobrissem a
nossa existência. Suponho que ele realmente tenha ido embora, não é,
Dumbledore?
— Parece que não há dúvida. Temos muito o que
agradecer. Aceita um sorvete de limão?
— Um o quê?
— Um sorvete de limão. É uma espécie de doce dos
trouxas de que sempre gostei muito.
— Não, obrigada — disse a Professora McGonagall com
frieza, como se não achasse que o momento pedia sorvetes de limão — Mesmo que
Você-Sabe-Quem tenha ido embora.
— Minha cara professora, com certeza uma pessoa
sensata como a senhora pode chamá-lo pelo nome. Toda essa bobagem de
Você-Sabe-Quem, há onze anos venho tentando convencer as pessoas a chamá-lo
pelo nome que recebeu: Voldemort — a professora franziu a cara, mas Dumbledore,
que estava separando dois sorvetes de limão, pareceu não reparar — Tudo fica
tão confuso quando todos não param de dizer “Você-Sabe-Quem”. Nunca vi nenhuma
razão para ter medo de dizer o nome de Voldemort.
— Sei que não vê — disse a professora parecendo meio
exasperada, meio admirada — Mas você é diferente... todo o mundo sabe que você
é o único de quem Você-Sabe... ah está bem, de quem Voldemort tem medo.
— Isto é um elogio — disse Dumbledore calmamente —
Voldemort tinha poderes que nunca tive.
— Só porque você é muito... bem... nobre para usá-los.
— É uma sorte estar escuro. Nunca mais corei assim
desde que Madame Pomfrey me disse que gostava dos meus abafadores de orelhas
novos.
A Professora McGonagall lançou um olhar severo a
Dumbledore e disse:
— As corujas não são nada comparadas aos boatos que
correm que todos estão dizendo. Por que ele foi embora? Que foi que finalmente
o deteve?
Aparentemente a Professora McGonagall chegara ao ponto
que estava ansiosa para discutir, a verdadeira razão pela qual estivera
esperando o dia todo em cima de um muro frio e duro, porque nem como gato nem
como mulher ela fixara antes um olhar tão penetrante em Dumbledore como agora.
Era óbvio que seja o que fosse que “todos” estavam dizendo, ela não iria
acreditar até que Dumbledore confirmasse ser verdade.
Dumbledore, porém, estava escolhendo mais um sorvete
de limão e não respondeu.
— O que estão dizendo — continuou ela — É que na noite
passada Voldemort apareceu em Godric's Hollow. Foi procurar os Potter. O boato
é que Lílian e Tiago Potter estão... estão
mortos.
Dumbledore fez que sim com a cabeça.
A Professora McGonagall perdeu o fôlego.
— Lílian e Tiago... não posso acreditar... não quero
acreditar... ah, Alvo.
Dumbledore estendeu a mão e deu-lhe um tapinha no
ombro.
— Eu sei... eu sei... — disse deprimido.
A voz da Professora McGonagall tremeu ao prosseguir:
— E não é só isso. Estão dizendo que ele tentou matar
o filho dos Potter, Harry. Mas... não conseguiu. Não conseguiu matar o
garotinho. Ninguém sabe o porquê nem como, mas estão dizendo que na hora que
não pôde matar Harry Potter, por alguma razão, o poder de Voldemort desapareceu
e é por isso que ele foi embora.
Dumbledore concordou com a cabeça, sério.
— É verdade? — gaguejou a professora — Depois de tudo
o que ele fez... todas as pessoas que matou... não conseguiu matar um
garotinho? É simplesmente espantoso... de tudo que poderia detê-lo... mas, por
Deus, como foi que Harry sobreviveu?
— Só podemos imaginar — disse Dumbledore — Talvez
nunca cheguemos à saber.
A Professora McGonagall pegou um lenço de renda e
secou com delicadeza os olhos por baixo das lentes dos óculos. Dumbledore deu
uma grande fungada ao mesmo tempo em que tirava o relógio de ouro do bolso e o
examinava. Era um relógio muito estranho. Tinha doze ponteiros, mas nenhum
número, em vez deles, pequenos planetas giravam à volta. Mas, devia fazer
sentido para Dumbledore, porque ele o repôs no bolso e disse:
— Hagrid está atrasado. A propósito, foi ele que lhe
disse que eu estaria aqui, suponho.
— Foi. E suponho que você não vá me dizer por que está
aqui e não em outro lugar.
— Vim trazer Harry para tio e a tia. Eles são a única
família que lhe resta.
— Você não quer dizer, você não pode estar se
referindo às pessoas que moram aqui? — exclamou a Professora McGonagall,
pulando de pé e apontando para o número quatro — Dumbledore você não pode.
Estive observando a família o dia todo. Você não poderia encontrar duas pessoas
menos parecidas conosco. E têm um filho, vi-o dando chutes na mãe até a rua,
berrando porque queria balas. Harry Potter não pode vir morar aqui!
— É o melhor lugar para ele — disse Dumbledore com
firmeza — Os tios poderão lhe explicar tudo quando ele for mais velho,
escrevi-lhes uma carta.
— Uma carta? — repetiu a professora com a voz fraca,
sentando-se novamente no muro — Francamente Dumbledore, você acha que pode
explicar tudo isso em uma carta? Essas pessoas jamais vão entendê-lo! Ele vai
ser famoso, uma lenda. Eu não me surpreenderia se o dia de hoje ficasse
conhecido no futuro como o dia de Harry Potter. Vão escrever livros sobre
Harry. Todas as crianças no nosso mundo vão conhecer o nome dele!
— Exatamente — disse Dumbledore, olhando muito sério
por cima dos óculos de meia-lua — Isto seria o bastante para virar a cabeça de
qualquer menino. Famoso antes mesmo de saber andar. Famoso por alguma coisa que
ele nem vai se lembrar! Veja que ele estará muito melhor se crescer longe de
tudo isso e tenha capacidade de compreender.
A professora abriu a boca, mudou de idéia, engoliu em
seco e então disse:
— É, é, você está certo, é claro. Mas como é que o
garoto vai chegar aqui, Dumbledore? — ela olhou para a capa dele de repente
como se lhe ocorresse que talvez escondesse Harry ali.
— Hagrid vai trazê-lo.
— Você acha que é sensato confiar a Hagrid uma tarefa
importante como essa?
— Eu confiaria a Hagrid minha vida — respondeu
Dumbledore.
— Não estou dizendo que ele não tenha o coração no
lugar — concedeu a professora de má vontade — Mas você não pode fingir que ele
é cuidadoso. Que tem uma tendência a... que foi isso?
Um ronco discreto quebrara o silêncio da rua. Foi
aumentando cada vez mais enquanto eles olhavam para cima e para baixo da rua à
procura de um sinal de farol de carro. O ronco se transformou num trovão quando
os dois olharam para o céu, e uma enorme motocicleta caiu do ar e parou na rua
diante deles.
Se a motocicleta era enorme, não era nada comparada ao
homem que a montava de lado. Ele era quase duas vezes mais alto do que um homem
normal e pelo menos cinco vezes mais largo. Parecia simplesmente grande demais
para existir e tão selvagem. Emaranhados de barba e cabelos negros longos e
grossos escondiam a maior parte do seu rosto, as mãos tinham o tamanho de uma
lata de lixo e os pés calçados com botas de couro pareciam filhotes de
golfinhos. Em seus braços imensos e musculosos ele segurava um embrulho de
cobertores.
— Hagrid — exclamou Dumbledore, parecendo aliviado —
Finalmente. E onde foi que arranjou a moto?
— Pedi emprestada, Professor Dumbledore — respondeu o
gigante desmontando, cuidadosamente da moto, ao falar — O jovem Sirius me
emprestou. Trouxe ele, professor.
— Não teve nenhum problema?
— Não, senhor. A casa ficou quase destruída, mas
consegui tirá-lo inteiro antes que os trouxas invadissem o lugar. Ele dormiu
quando estivemos sobrevoando Bristol.
Dumbledore e a Professora McGonagall curvaram-se para
o embrulho de cobertores. Dentro, apenas visível, havia um menino, que dormia a
sono solto. Sob uma mecha de cabelos muito negros caída sobre a testa eles
viram um corte curioso, tinha a forma de um raio.
— Foi aí que? — sussurrou a professora.
— Foi — confirmou Dumbledore — Ficará com a cicatriz
para sempre.
— Será que você não poderia dar um jeito, Dumbledore?
— Mesmo que pudesse, eu não o faria. As cicatrizes
podem vir a ser úteis. Tenho uma acima do joelho esquerdo que é um mapa perfeito
do metrô de Londres. Bem, me dê ele aqui, Hagrid, é melhor acabarmos logo com
isso.
Dumbledore recebeu Harry nos braços e virou-se para a
casa dos Dursley.
— Será que eu podia... podia me despedir dele,
professor? — perguntou Hagrid.
Ele curvou a enorme cabeça descabelada para Harry e
lhe deu o que deve ter sido um beijo muito áspero e peludo. Depois, sem aviso,
Hagrid soltou um uivo como o de um cachorro ferido.
— Psiu! —
sibilou a Professora McGonagall — Você vai acordar os trouxas!
— Desculpe — soluçou Hagrid, puxando um enorme lenço
sujo e escondendo a cara nele — Mas na... nã... não consigo suportar, Lílian e
Tiago mortos, e o coitadinho do Harry ter de viver com os trouxas...
— É, é muito triste, mas controle-se, Hagrid, ou vão
nos descobrir — sussurrou a professora, dando uma palmadinha desajeita no braço
de Hagrid enquanto Dumbledore saltava a mureta de pedra e se dirigia à porta da
frente.
Depositou Harry devagarinho no batente, tirou uma
carta da capa, meteu-a entre os cobertores do menino e em seguida, voltou para
a companhia dos dois.
Durante um minuto inteiro os três ficaram parados
olhando para o embrulhinho, os ombros de Hagrid sacudiram, os olhos da
Professora McGonagall piscaram loucamente e a luz cintilante que sempre
brilhava nos olhos de Dumbledore parecia ter-se extinguido.
— Bem — disse Dumbledore finalmente — Acabou-se. Não
temos mais nada a fazer aqui, já podemos nos reunir aos outros para comemorar.
— É — disse Hagrid com a voz muito abafada — Vou
devolver a moto de Sirius. Boa noite, Professora McGonagall, Professor
Dumbledore...
Enxugando os olhos na manga da jaqueta, Hagrid montou
na moto e acionou o motor com um pontapé, com um rugido ela levantou vôo e
desapareceu na noite.
— Nos veremos em breve, espero, Professora McGonagall
— falou Dumbledore, com um aceno da cabeça.
A Professora McGonagall assou o nariz em resposta.
Dumbledore se virou e desceu a rua. Na esquina parou e
puxou o “apagueiro”. Deu um clique e doze esferas de luz voltaram aos lampiões
de modo que a Rua dos Alfeneiros de repente iluminou-se com uma claridade
laranja e ele divisou o gato listrado se esquivando pela outra ponta da rua.
Mal dava para enxergar o embrulhinho de cobertores no batente do número quatro.
— Boa sorte, Harry — murmurou ele. Girou nos
calcanhares e, com um movimento da capa, desapareceu.
Uma brisa arrepiou as cercas bem cuidadas da Rua dos
Alfeneiros, silenciosas e quietas sob o negror do céu, o último lugar do mundo
em que alguém esperaria que acontecessem coisas espantosas. Harry Potter
virou-se dentro dos cobertores sem acordar. Sua mãozinha agarrou a carta ao
lado, mas ele continuou a dormir, sem saber que era especial, sem saber que era
famoso, sem saber que iria acordar dentro de poucas horas com o grito da Sra.
Dursley ao abrir a porta da frente para pôr as garrafas de leite do lado de
fora, nem que passaria as próximas semanas levando cutucadas e beliscões do
primo Duda. Ele não podia saber que neste mesmo instante, havia pessoas se
reunindo em segredo em todo o país que erguiam os copos e diziam com vozes
abafadas:
— À Harry Potter, O
Menino Que Sobreviveu!
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