domingo, 9 de fevereiro de 2014

sábado, 8 de fevereiro de 2014

CONVERSA COM J.K. ROWLING, por Lindsey Fraser







CONVERSA COM J.K. ROWLING
A autora de Harry Potter


por
LINDSEY FRASER



Perguntas: projeto gráfico e composição da entrevista ® 2000 Egmont Books Limited
Respostas da entrevisla ® 2000 J. K. Rowling
Livros de J. K. Rowling ® 2000 Lindsey Fraser
A primeira edição original em inglês, foi publicada em 2000 sob o nome
Telling Talles: An interview Wiltt J.K Rolling por Egmon; Boooks Limited.




ÍNDICE


Prefácio

Conversando com J.K. Rowling por Lindsey Fraser
Minha família e infância
Meus dias de estudante
Minha carreira

Os livros de J.K. Rowling
Uma análise, por Lindsey Fraser
Bibliografia





PREFÁCIO


Harry Potter e a Pedra Filosofal foi publicado em 1997. Desde então, milhões de exemplares dos cinco livros de J.K. Rowling sobre Harry foram vendidos em todo o mundo. Eles podem ser encontrados em 57 idiomas, do albanês ao zulu, e continuam a figurar na lista dos mais vendidos. E a tendência é que as vendas aumentem ainda mais. O lançamento do quinto livro da série, Harry Potter e a Ordem da Fênix, foi ansiosamente aguardado por três anos e, mesmo antes de chegar às livrarias, 1 milhão de cópias já estavam encomendadas em um site da internet. Essa é uma história que J.K. Rowling jamais poderia imaginar. Cada capitulo torna-se mais enlouquecedor. O filme baseado no primeiro livro, lançado em 2001, quebrou todos os recordes de bilheteria da época. As primeiras edições dos livros — se não tiverem sido devoradas até o limite — atingem valores extraordinários em leilões. Os produtos com a marca Harry Potter dominam as lojas de brinquedos no mundo inteiro e alguns já se tornaram objetos de colecionadores.
E pensar que tudo começou com uma viagem de trem. Alguns se lembram de ler Harry Potter e a Pedra Filosofal sem saber nada a respeito do livro, sua autora, as personagens ou mesmo o que aconteceria depois. Mas agora quem não sabe que Harry Potter é um bruxo? J.K. Rowling dá pouquíssimas entrevistas. Quando as concede, faz questão de enfatizar que, apesar do sucesso editorial que criou, ela não é uma pessoa, muito diferente de nós. Não é nenhuma novidade que os jornalistas vivem inventando histórias a seu respeito (Rita Skeeter* não aparece nos livros por acaso). Pipocam especulações a respeito do futuro da série e da vida pessoal da autora. Nesta entrevista, ela não tinha a menor dúvida de que iria terminar os sete livros originalmente planejados. Aqueles que a conhecem não estio menos confiantes de que ela atingirá este objetivo, mas a seu próprio tempo.

* Jornalista que aparece pela primeira vez em Harry Potter e o Cálice de Fogo para cobrir o Torneio Tribruxo. Ela escreve para o Profeta Diário e está sempre atrás de alguma história sensacionalista, que normalmente inclui o nome de Harry Potter.

Quase ao fim da entrevista, que ocorreu antes do lançamento de Harry Potter e o Cálice de Fogo, J.K.. Rowling refletiu com um pouco de arrependimento sobre toda a pressão que vem com a fama. Mas isso não é nada comparado ao que ela enfrenta hoje: controlam seu tempo, seu dinheiro, seu patrocínio e exigem que lide com a escrita como um negócio. A indústria que cresceu a partir daquele momento no trem depende de urna única mulher — J.K. Rowling. Uma responsabilidade descomunal para um ser humano. O mundo da literatura para jovens agora se acende com um brilho dourado de atenção e reconhecimento até então desconhecido. A obra de J.K. Rowling juntamente com as de vários autores, sem dúvida transformou o cenário literário para sempre. Às vezes parece que esses livros correm o risco de submergir sob o barulho que acompanha cada lançamento. Mas nada pode diminuir o mérito de terem atingido a imaginação e o coração das crianças. No centro dessa indústria cheia de marcas registradas, bonecos, chaveiros; e bolas, estão pilhas de papel e tinta à moda antiga — os livros de Harry Potter.


Lindsey Fraser


J.K. Rowling é a autora da série de sucesso estrondoso sobre o bruxinho Harry Potter. O êxito de "Harry Potter e a Pedra Filosofal", de 1997, seu primeiro livro publicado, lançou-a para a fama no mundo todo e fez com que o livro fosse transformado em filme pela Warner Bros. Os cinco livros lançados até agora, nessa série de sete, foram aclamados pela crítica internacional e receberam vários prêmios, entre eles o Prêmio de Ouro Smarties, o Prêmio Whitbread de Livro Infantil do Ano, o Prêmio de Livro Infantil do Ano do Livro Inglês, o Prix Sorcière, o Prêmio de Livro Infantil do Conselho Escocês de Arte, o Prêmio de Livro do Ano dos Livreiros Americanos.






CONVERSANDO COM J.K. ROWLING
POR LINDSEY FRASER


MINHA FAMÍLIA E INFÂNCIA

Você é a filha mais velha?
Só tenho uma irmã, e sou mais velha que ela. Minha lembrança mais antiga é o nascimento de minha irmã, que é só dois anos mais nova que eu. Meu pai me deu massa de modelar no dia em que ela chegou, para me manter ocupada enquanto ele corria para dentro e para fora do quarto. Não tenho nenhuma lembrança de ver o bebê de fato, mas me recordo de ter comido a massinha.

Os livros eram importantes em sua família?
Outra lembrança antiga é de quando tive sarampo — eu devia ter uns quatro anos — e de meu pai lendo para mim O Vento nos Salgueiros. Não me lembro de me sentir doente, só de ficar deitada ouvindo aquelas histórias. Tanto meu pai quanto minha mãe adoravam ler. Minha mãe era uma leitora dedicada — era muito estudiosa — e nunca parecia mais feliz do que quando estava quietinha em um canto lendo. Foi uma grande influência para mim. Ela veio de uma família de professores e acho que meu pai seguiu seu exemplo.

Fale sobre seus avós.
Eu tinha um avô chamado Ernie, e outro, Stanley — batizei o motorista e o cobrador do Nóitibus Andante, que aparece para salvar Harry Potter, em homenagem a eles. Eram duas grandes figuras. Ernie tinha um supermercado e, quando íamos dormir em sua casa — ele morava na sobreloja — deixava que eu e minha irmã brincássemos de lojinha depois do expediente, com latas, pacotes e até dinheiro de verdade, contanto que a gente colocasse tudo no lugar depois.
As vezes Stanley tinha problemas para distinguir a realidade da ficção. Ele era um grande sonhador e passava muito tempo em seu galpão no quintal, fazendo coisas.
Uma de minhas avós se chamava Kathleen — meu segundo nome. Eu a adorava, e minha lembrança mais triste é a morte dela. Minha outra avó era obcecada por cachorros e gostava muito mais deles que das pessoas. Para dizer a verdade, há um toque dela em Tia Guida*.

* Guida é irmã de Valter Dursley e, quando ela o visitou em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, fez questão de humilhar Harry, dizendo o quanto ele era infeliz por ser “sangue ruim”. O bruxinho não teve dúvidas e a transformou em um balão.

Você tinha bichos de estimação?
Quando eu era bem pequenininha, tinha um cachorro chamado Thumper (Tambor), que recebeu esse nome em homenagem ao coelho do filme Bambi, de Disney. Foi muito triste quando precisaram sacrificá-lo. Depois, tivemos dois porquinhos-da-índia, mas eles foram comidos por uma raposa. Lembro da carnificina no quintal — não foi nada agradável... Tivemos outro cachorro, Misty, que ficou em casa até depois de eu ir para a universidade.
Quando eu era adolescente, tinha um peixe tropical, era um grande hobby e até hoje eu adoro peixes.

Onde você nasceu?
Em Chipping Sodbury, perto de Bristol [Inglaterra]. E tenho muito orgulho disso! Provavelmente isso me condenou a gostar de lugares com nomes esquisitos. Até meus nove anos, moramos em Bristol e nos arredores e então nos mudamos para Tutshill, um pequeno vilarejo perto de Chepstow, no sul de Gales, Era uma cidadezinha protegida por um castelo no alto de um penhasco, o que explica bastante coisa.

Por que vocês se mudaram para o campo?
Acho que realmente era um sonho dos meus pais, porque ambos cresceram na cidade. Eles se conheceram em um trem que ia em direção ao norte, para a Escócia, partindo da estação King's Cross, em Londres. Papai estava na Marinha e mamãe era voluntária de guerra, e estavam viajando para um posto em Arbroath, ao norte de Dundee. Foi amor a primeira vista; eles se casaram quando tinham 19 anos e eu nasci um ano depois. Os dois sonhavam com uma vida em um chalé no campo, e meu pai podia viajar de Chepstow até o trabalho, na fábrica da Rolls Royce, todos os dias.

Fale sobre o lugar onde você morava.
Nossa casa era um chalé próximo à igreja e originalmente tinha sido a escola do vilarejo. Todos os nossos amigos pensavam que morar perto do cemitério era assustador, mas a gente gostava. Ainda adoro cemitérios — são uma ótima fonte de nomes. Morávamos perto da represa de Offa, no rio Wye — um lugar maravilhoso. E um de nossos passatempos favoritos era nos aventurarmos por entre as pedras.
À medida que crescemos, é claro, ficou chato. Não tinha muita coisa interessante para adolescentes.

O que mais você se lembra dessa época?
Uma das minhas lembranças mais felizes é a das férias da família em Norfolk. Hoje sou muito ligada à minha irmã, mas quando éramos mais novas brigávamos como gato e cachorro. Por alguma razão, a gente estava se dando muito bem naquela ocasião, um milagre, e me lembro de ficarmos conversando e rindo até tarde da noite, das histórias, das piadas. Acho que meus pais ficaram surpresos, mas aliviados.



MEUS DIAS DE ESTUDANTE

Do que você se lembra da época de escola?
Minha primeira escola ficava nos arredores de Bristol e eu simplesmente adorava ir para a aula, apesar de, no meu primeiro dia, quando minha mãe foi me buscar para almoçar, eu ter pensado que era só aquilo e que não precisaria voltar mais tarde.
A escola do vilarejo em Tutshill era bem ao estilo de Dickens — um contraste total com a escola livre à qual eu estava acostumada. Os alunos eram analisados pela professora e obrigados a se sentar de acordo com sua inteligência. Depois de dez minutos, ela me colocou na fileira dos "confusos" — Há várias pessoas que influenciaram a personalidade de Snape* em meus livros, e aquela professora foi uma delas. Era muito assustador! A gente tinha aritmética e em meu primeiro dia só consegui meio ponto de nota. Bom, eu nunca tinha visto frações antes! Acho que com o tempo subi no conceito da professora, mas tive de me esforçar bastante. E com as frações também.

* Snape é o professor de Poções de Harry Potter e faz questão de ser muito sarcástico e malvado com o garoto.

E como foi a escola secundária?
Eu gostava e fui especialmente influenciada por minha professora de inglês, a senhorita Shepherd. Ela era muito exigente e às vezes bem sarcástica, mas muito conscienciosa. Eu realmente a respeitava porque ela era uma professora que tinha paixão por ensinar. Acho que ela me mostrou que existia um tipo diferente de mulher. Era feminista e brilhante. Sua maneira de lidar com os alunos era incrível. Uma vez eu estava fazendo palhaçadas enquanto ela falava, e ela me disse que eu estava sendo muito mal-educada. Respondi: "Mas eu estou escutando", e ela disse, que eu continuava sendo mal-educada. Aquilo ficou na minha cabeça. Ela nunca dizia simplesmente "Não faça isso". Eu amava inglês. A senhorita Shepherd era muito exigente com as estruturas gramaticais e não deixava que fôssemos relaxados. Apesar de eu ler bastante, foi muito bom conhecer o que dava estrutura e ritmo a escrita. Aprendi muito com ela e ainda mantemos contato. Era a única professora em quem eu confiava. Ela inspirava confiança. Quando Harry Potter e a Pedra Filosofal foi lançado, ela me mandou uma carta por intermédio da Bloomsbury, minha editora. Os comentários dela valeram mais para mim do que qualquer crítica de jornal, porque eu sabia que ela nunca teria escrito nada a não ser que realmente tivesse aquela opinião. Era a personificação da integridade. E gostou do livro.
Quando eu estava na 13a série*, aconteceu uma coisa muito importante. Um menino chamado Sean Harris foi estudar na minha escola, transferido de Cyprus — o pai dele era do Exército. Tornou-se meu melhor amigo — Harry Potter e a Câmara Secreta é dedicado a ele. Ele tinha um Ford Anglia azul-turquesa, e para mim essas palavras queriam dizer "liberdade". Quando você mora em um vilarejo no campo, dirigir é muito importante. Então você pode imaginar por que eu não teria pensado em nenhum outro carro resgatando Harry e Rony Weasley e os levando para Hogwarts — tinha de ser um Ford Anglia azul-turquesa. Rony Weasley não é exatamente um retrato de Sean, mas tem muito dele.

* No sistema escolar da Inglaterra, a escola secundária (secondary school) vai dos 11 aos 16 anos de idade. Já a 13a série é freqüentada por alunos entre 17 e 18 anos e é um preparatório para a universidade.

Normalmente, só quando releio o que escrevi é que percebo de onde algumas histórias vieram. Harry foi salvo por aquele carro, assim como o carro me salvava do tédio total. É uma das poucas passagens que realmente tem uma ligação direta com a vida real. E também quando Harry olha no espelho* e vê sua família acenando para ele. Essa é uma imagem muito importante em minha vida, de quando perdi minha mãe.

*É o espelho de Ojesed, que só mostra o que as pessoas realmentee desejam. E o que Harry Potter e J.K. Rowling mais desejam é ter sua família por perto.

Você gostava de todos os professores?
Não não de todos. O professor de quem eu menos gostava era um opressor. Conheci muitos professores, quando eu dava aulas, e ainda conheço, quando visito escolas, e os opressores sempre se destacam. Compreendo que, do ponto de vista do professor, é muito mais fácil ser opressor, mas também é a pior coisa e a mais mesquinha que se pode fazer. Aqui voltamos a Snape.

Havia mais alguma coisa de que você não gostava?
A matéria de que eu menos gostava era artesanato em metal. Eu era a pior da turma — simplesmente horrível, Não sou uma pessoa prática...Para mim, parecia que aquilo se resumia a martelar coisas até quebrar tudo. Bem que tentei, mas não consegui. Minha mãe guardou uma colher de chá ridícula que eu fiz e que era inútil, irremediável. Eu também era horrível em artesanato em madeira — lembro de chegar em casa com um porta—retratos feito quase inteiramente de cola.
Também era péssima em esportes, apesar de não achar ginástica tão ruim assim. Mas o que eu odiava mesmo era hóquei. Porém gostava de nadar e de dançar. E eu abominava o uniforme. Era marrom e amarelo, duas cores que eu nunca usaria por uma questão de princípio.

Você acha que seus professores acreditavam que você fosse se tornar uma escritora?
Acho que a senhorita Shepherd possa ter acreditado que eu pudesse me tornar uma escritora, mas creio que não esperava isso de mim. Eu sempre quis ser escritora, mas jamais compartilhei essa ambição com ninguém. Quando eu tinha uns seis anos, escrevi um livro — só uma historinha — e, ao terminar, me lembro de ter pensado: "Bom, agora posso publicar isso". Desde então já queria a experiência completa. Quando cheguei aos 26 anos, já era bem menos arrogante. Naquela época, achava que eu não tinha a menor chance.

Pode descrever como você era quando criança?
Sempre fui muito insegura, preocupada, mas dava um show de confiança para esconder esses sentimentos. Lá pelos 11 ou 12 anos, eu talvez fosse um pouquinho como a Hermione. Achava que deveria sempre alcançar meus objetivos, tinha de ser a primeira a levantar a mão na classe, sempre precisava estar certa. Talvez porque me sentisse bem sem graça em comparação com a minha irmã. Provavelmente eu achava que deveria compensar isso. Só relaxei à medida que fui ficando mais velha, o que foi bom, embora eu ainda me preocupe muito com tudo. Tive muita sorte de poder contar com bons amigos. Isso foi muito importante na minha adolescência, quando minha mãe ficou doente, com esclerose múltipla. Qualquer um que já tenha passado por algo assim na família sabe a pancada que a gente leva, todo o estresse da situação. Os amigos se tornam ainda mais importantes, para conversar, para ter alguém em quem confiar.

O que você lia?
Eu me lembro de ler muito Noddy* com minha mãe. Ela era uma grande fã de Enid Blyton. Também li os livros dos Famous Five ("Cinco Famosos"), ou pelo menos alguns deles, mas não mais que isso. Eu simplesmente adorava os livros de Richard Scarry.

* Noddy é um menino de brinquedo, criado em 1948 pela escritora inglesa Enid Blyton (1897—1968)

Aquele primeiro livro que escrevi com seis anos foi totalmente rasgado, mas guardei alguns dos livros de minha infância, e minha filha os adora também. Eu era completamente obcecada por cavalos e possuía uma versão ilustrada de Black Beauty ("Beleza Negra"), de Anna Sewell, mais ou menos quando eu tinha oito anos de idade. Eu chorava muito com aquela história, também li Little Women ("Mulherzinhas*), de Louisa May Alcott, com oito anos, e então começou minha "fase Mulherzinhas". Por alguns meses, fui Jo March de verdade. Mas meu livro predileto era The Little White Horse ("O Pequeno Cavalo Branco*), de Elizabeth Goudge. Provavelmente tinha a ver com o fato de que a heroína era bem normal, mas é um livro muito bem estruturado e inteligente, e quanto mais você o lê, mais inteligente ele parece. E talvez mais do que qualquer outra obra, teve uma influência direta nos livros de Harry Potter. A autora sempre incluía detalhes do que as personagens estavam comendo, e me lembro de gostar daquilo. Você deve ter notado, que sempre descrevo a comida servida em Hogwarts.
O importante é que nenhum livro nunca nos foi proibido ou censurado, a não ser uma vez, quando ganhei de presente um livro do programa de TV The New Avengers ("Os Novos Vingadores"). Tinha um começo muito violento que me deixou perturbada, e fiquei feliz quando minha mãe disse — e foi a única vez que ela fez isto — que eu não deveria mais lê-lo. Fora isso, a gente lia qualquer coisa. Li Pride and Prejudice ("Orgulho e Preconceito"), de Jane Austen, quando tinha 11 ou 12 anos, e Vanity Fair ("A Feira das Vaidades"). de W.M. Thackeray, quando tinha 14. Sei que soa precoce, mas estava lá, então li. Eu era como minha mãe — lia tudo e qualquer coisa. Mesmo agora, se vou a um banheiro na casa de alguém que foi desatencioso o bastante para não deixar livros por lá, leio os rótulos dos sabonetes, das loções. Eu tinha uma tia que lia manuscritos para a editora Mills and Boon e ela também passava os livros para mim. Então eu lia todos aqueles romances em cerca de uma hora. Lembro-me de, com nove anos, ler meu primeiro romance de James Bond — Thunderball ("007 Contra a Chantagem Atômica"), de Ian Fleming — e ficar fascinada pelos bloody marys que eles tomavam. Havia algo de maravilhoso em um drinque que levava suco de tomate. Hoje adoro bloody marys.
Tínhamos bastante sorte — eles compravam muitos livros para a gente.

Você lia poesia?
Devo admitir que minha formação em poesia não é muito boa. Eu adorava nossos livros infantis, mas acho que poesia não era uma das grandes paixões de minha mãe — e poesia não é algo que eu esteja buscando agora.

O que você gosta de ler atualmente?
Amo romances e biografias, Tenho certa obsessão pelos Kennedys, pela família do presidente John F. Kennedy. Em uma de minhas turnês para divulgar os livros nos Estados Unidos, o ponto de partida foi Boston, e fiz questão de sair do itinerário para visitar o Museu Kennedy, que fica na cidade. Eu estava falando sem parar sobre os Kennedys para a minha motorista até que, momentos antes de chegarmos ao museu, ela me contou que tinha namorado Teddy Kennedy. Quanta coisa ela poderia ter me contado, se eu tivesse lhe dado a chance de falar...
A escritora que mais me influenciou, sem dúvida, é Jessica Mitford. Minha tia-avó me deu Hons and Rcbcls quando eu tinha 14 anos e imediatamente ela virou minha heroína. Ela fugiu de casa para lutar na Guerra Civil espanhola, levando a câmera comprada com o dinheiro do pai, sem que ele soubesse. Eu desejava ter tido a coragem de fazer algo assim. Ela tinha uma coragem moral tremenda e enfrentou situações com muita valentia, mesmo fisicamente, como ativista dos direitos humanos. Adoro seu senso de humor, sua independência. Ela enfrentou a família — eles eram muito ricos e não achavam que meninas deveriam estudar — e demonstrou sua paixão atuando naquilo em que acreditava, e não apenas pregando. Adoro a maneira como nunca abandona certas características de quando era adolescente, permanecendo fiel a suas políticas — foi uma socialista autodidata — por toda a vida. Acho que já li tudo que ela escreveu. Ate dei o nome dela à minha filha.

Que tipo de música você gosta?
Gosto de todo tipo de música e ainda ouço aquelas que gostava quando tinha 17 anos. Meus pais não se interessavam por música clássica — adoravam os Beatles e outros grupos dos anos 60, e eu gosto disso também. Eu tocava violão e sonhava fazer um solo na guitarra. Ainda gosto dos Beatles, mas, entre todas, minha banda favorita é The Smiths. E quando eu estava passando por uma fase punk, era The Clash.

Você gosta de arte?
Na escola, eu adorava arte e ainda hoje desenho para me divertir. Por alguma razão — talvez porque soubesse que nunca poderia viver disso — nunca me preocupei em mostrar meus desenhos e pinturas a ninguém. Nunca mostro o que estou escrevendo a ninguém. Meu editor pode confirmar isso. Acho tão difícil me separar do que estou escrevendo. É importante demais. Odeio quando as pessoas pedem para ler meus rascunhos — eles são muito pessoais. Adoro galerias de arte. Estive em Nova York diversas vezes fazendo as turnês para divulgar os livros — é um dos meus lugares favoritos — e ainda não visitei nenhuma das maravilhosas galerias da cidade. Sempre fico desesperada para ir, mas nunca tenho uma tarde livre. Quando eu tinha 20 e poucos anos, era apaixonada por Gainsborough e principalmente por um quadro chamado The Morning Walk ("Passeio Matinal"). É um casal muito interessante — o homem chama bastante a atenção, enquanto a mulher é bem sem graça, e a explicação é que o quadro foi feito para o casamento deles. Eu ficava pensando se o casamento tinha dado certo, e algo me diz que não deu.
Talvez meu quadro favorito seja Supper at Emmaus ("A Ceia em Emaús"), de Caravaggio, em que Jesus se revela a seus discípulos, ressuscitado. Eu adoro, Jesus parece muito simpático — fofo e arredondado, e a pintura captura o exato momento em que os discípulos percebem quem é esse homem que abençoa seu pão.

Você ia ao teatro ou ao cinema?
Íamos ao teatro de mímica em Londres. Lembro-me de que, em uma produção de Peter Pan, pediram que a gente vaiasse o Capitão Gancho, e meu pai vaiou. O Capitão Gancho saiu do palco e foi até finde estávamos sentados — fiquei aterrorizada.
Hoje adoro ir ao teatro. A primeira peça que vi foi no Stratford-upon-Avon [local onde nasceu William Shakespeare], num feriado durante a l3 série, e vimos Rei Lear. Fiquei totalmente eletrizada! Também vimos The Winter's Tale ("Conto de inverno"), e foi nessa peça que descobri o nome Hermione — apesar de, é claro, não usá—lo por um bom tempo. Eu gosto de cinema. Não havia cinema em Chepstow, então a gente não ia muito quando eu era criança. Na época, meu filme favorito era The Jungle Book ("o Menino-Lobo"). Eu também gostava de Watership ("Uma Grande Aventuta"), de Richard Adams — um livro maravilhoso.
Acho que meu astro de cinema favorito era Michael Caine, embora eu tenha tido uma paixonite aguda por Dustin Hoffman depois de vê-lo em Little Big Man ("Pequeno Grande Homem"). Ainda tenho uma quedinha por ele...

Você assistia muito à televisão quando criança?
Não muito. Meus pais não ligavam muito a televisão. Eu adorava desenhos animados — e ainda adoro, especialmente Corrida Maluca. Eu amava Os Monkees — na verdade, era apaixonada por Davy Jones. Quando minha filha era bem novinha, eu pedia a ela que me chamasse quando Animaniacs começava, nos sábados de manhã, e ela vinha e pulava na minha cama até me acordar. Nos últimos tempos venho escrevendo tanto que dificilmente assisto à televisão. Às vezes até perco notícias importantes. Mas tento não perder The Royle Family ("A Família Royle") — é uma série brilhante.



MINHA CARREIRA

O que você fez quando saiu da escola?
Estudei na universidade de Exeter por quatro anos e fiz um ano de Inglês em Paris, o que adorei. No começo, Exeter foi meio chocante. Eu esperava ficar no meio de gente parecida comigo — com pensamentos radicais. Mas não foi assim. Porém, à medida que fui ficando amiga de algumas pessoas que pensavam mais ou menos como eu, passei a me divertir. No entanto, acho que não me esforcei tanto quanto poderia.

Por que você escolheu estudar Línguas, se gostava tanto de Literatura Inglesa?
Foi meio que um erro. Certamente eu não fazia tudo que meus pais mandavam, mas acho que fui influenciada pela crença deles de que Línguas seria melhor na hora de procurar emprego. Não morro de arrependimento, mas foi uma decisão estranha para alguém que só queria mesmo ser escritora — não que eu tivesse coragem de contar isso a alguém, claro.

Para onde você foi assim que se formou?
Esse foi um erro ainda maior. Fui para Londres fazer um curso de secretária bilíngüe. Eu não tinha — nem tenho — nada a ver com esse tipo de trabalho. Eu, uma secretária? Eu seria o pior pesadelo.
Mas uma coisa que aprendi mesmo foi datilografar. Agora eu mesma digito todos os meus livros, então tem sido incrivelmente útil. Sou bem rápida. Quando terminei o curso, queria encontrar um emprego — qualquer um — para me sustentar e que me propiciasse tempo para escrever. Consegui um na Anistia Internacional, como assistente de pesquisa de abusos dos direitos humanos na África francófona (parte da África onde se fala principalmente o francês). Ou seja, eu trabalhava com representantes de mais de cem nacionalidades — todos sob o mesmo teto. Isso tornava o lugar muito interessante para se trabalhar, valia a pena. Se eu não estava escrevendo o dia inteiro, era importante que meu tempo fosse gasto em algo recompensador. Não sei se a maioria das pessoas que trabalhavam lá se lembra de mim, porque na hora do almoço, enquanto elas saiam para ir ao pub, eu inventava alguma desculpa e corria para um café ou para outro pub para escrever. Eu estava trabalhando um romance, para adultos. Na época eu dividia um apartamento e, para fugir, ia aos cafés mais próximos. Eram o lugar ideal para escrever — principalmente para alguém que não estava sendo honesta a respeito de seus planos. Foi assim que começou minha paixão por escrever em cafés.

Quando a idéia de escrever sobre Harry Potter surgiu pela primeira vez em sua cabeça?
Meu namorado estava se mudando pura Manchester e queria que eu me mudasse para lá também. Foi durante uma viagem de volta de Manchester para Londres, depois de um fim de semana em que estivemos procurando um apartamento, que Harry Potter apareceu pela primeira vez. Eu nunca tinha ficado agitada daquele jeito. Soube imediatamente que seria muito divertido escrever sobre ele. Mas não fazia idéia se seria um livro infantil — só sabia que eu tinha esse menino, Harry. Durante a viagem, também descobri Rony, Nick-Quase-Sem-Cabeça, Hagrid. e Pirraça. E, com a idéia da minha vida rondando minha cabeça, eu não tinha uma caneta que funcionasse! Eu nunca ia para lugar nenhum sem minha caneta e meu caderninho. Então, em vez de escrever, tive de pensar. E acho que foi bom. Imaginei uma porção de detalhes e, se a história não sobrevivesse àquela viagem, provavelmente não valia a pena ser lembrada.
A Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts foi a primeira coisa em que me concentrei. Fiquei pensando em um lugar muito organizado, mas perigoso, com crianças com habilidades que poderiam superar as de seus professores. Logicamente, tinha de ficar em um lugar recluso, e num instante a Escócia veio à minha mente. Acho que foi uma homenagem inconsciente ao lugar onde meus pais se casaram. As pessoas vivem dizendo que sabem em que me baseei para criar Hogwarts, mas estão erradas. Nunca vi em lugar nenhum um castelo parecido com a Hogwarts que imagino.
Então, voltei para meu apartamento naquela noite e comecei a anotar tudo em um caderno baratinho. Fiz listas de todos os assuntos que deveria estudar — eu sabia que deveriam ser sete livros. As personagens vieram primeiro, e então tive de achar nomes que combinassem com eles. Gilderoy Lockhart é um bom exemplo. Eu sabia que seu nome tinha de ter um toque especial. Eu estava pesquisando no Dictionary of Fhrase and Fable ("Dicionário de Frase e Fábula") — uma ótima fonte de nomes — e encontrei Gilderoy, um charmoso ladrão escocês. Exatamente o que eu queria. E então achei Lockhart em um memorial da Primeira Guerra Mundial, juntos, os dois nomes diziam tudo o que eu queria sobre a personagem.

Você pode descrever o processo de criação das histórias?
Foi uma questão de descobrir por que Harry estava onde estava, por que seus pais haviam morrido. Eu estava inventando tudo isso, mas para mim era como se fosse uma pesquisa. Ao final daquela viagem de trem, eu sabia que seria uma série de sete livros. Sei que isso soa extremamente arrogante para alguém que nunca tinha publicado nada, mas foi assim que imaginei. Levei cinco anos para planejar a série, para criar o enredo dos sete romances. Sei quando, o que e quem vem chegando, e sinto que é como se estivesse recebendo velhos amigos. O professor Lupin, que aparece em meu terceiro livro, é uma de minhas personagens favoritas. É uma pessoa sofrida, literal e metaforicamente. Acho que é importante que as crianças saibam que os adultos também tem problemas, que tem de lutar contra eles. O fato de ele ser um lobisomem na verdade é uma metáfora sobre as reações das pessoas diante das doenças e da invalidez.
Tenho histórias quase completas para minhas personagens. Se eu colocasse todos os detalhes que tenho em mente, cada livro seria do tamanho da Enciclopédia Britânica, mas preciso tomar cuidado para não presumir que o leitor deve saber tanto quanto sei. Sírius Black é um bom exemplo. já imaginei toda a infância dele. Os leitores não precisam saber disso, mas eu sim. Preciso saber mais que eles porque sou eu quem direciona as personagens ao longo das páginas.
Inventei o nome quadribol depois de uma grande discussão com o namorado com quem eu morava em Manchester. Saí de casa batendo as portas, fui a um pub e inventei quadribol.

Você abriu mão de seus empregos para escrever os livros?
Ah, não! Eu me mudei para Manchester e trabalhei na Câmara de Comércio, mas por pouquíssimo tempo, porque quase imediatamente fui considerada desnecessária. Então fui trabalhar na universidade, mas estava muito infeliz. Minha mãe morreu um mês após eu ter me mudado para lá. Depois fomos roubados, e levaram tudo o que minha mãe tinha deixado para mim. As pessoas foram inacreditavelmente gentis e amistosas comigo, mas decidi que queria sai dali.
Eu tinha gostado de dar aulas de inglês em Paris e pensei: por que não viajar para o exterior, dar umas aulas, levar meu manuscrito comigo, pegar um sol...? Foi assim que fui morar na cidade do Porto, em Portugal, ensinando alunos de 8 a 62 anos de idade. A maioria era de adolescentes que estavam se preparando para provas, mas havia também empresários e donas-de-casa. Os adolescentes, que tinham entre 14 e 17 anos, tornaram-se logo os meus favoritos. Eram cheios de idéias e possibilidades, estavam formando suas opiniões. Virei chefe daquele departamento.
Seis meses depois, conheci meu futuro marido, um jornalista. Nos casamos e no ano seguinte tivemos Jessica — pouco antes dos meus 28 anos. Aquele foi, sem dúvida, o melhor momento de minha vida. Àquela altura, eu havia terminado os três primeiros capítulos de Harry Potter e a Pedra Filosofal, quase exatamente como eles aparecem na versão final do livro. O resto ainda era rascunho.

E por que você se mudou para Edimburgo?
Quando ficou claro que meu casamento não estava dando certo, decidi que seria mais fácil eu voltar para a Grã-Bretanha. Meu emprego não era superestável, e é claro que as aulas pararam completamente durante as férias de verão. Estava preocupada tentando encontrar emprego naquela época, ainda mais com um bebê novinho. Vim para Edimburgo passar o Natal com minha irmã e pensei: "Posso ser feliz aqui". E tenho sido. Às únicas pessoas que eu conhecia eram minha irmã e a melhor amiga dela. Eu só tinha visto meu cunhado uma vez. A maioria dos meus amigos estava em Londres, mas achei que Edimburgo era o tipo de cidade onde eu queria criar minha filha. Logo depois fiz alguns bons amigos. Talvez fosse meu sangue escocês me chamando de volta para casa.

Como você continuou a escrever?
Decidi que queria voltar a dar aulas para me sustentar, mas primeiro tinha de conseguir habilitação para isso, um certificado de pós-graduação em Educação. Ia levar um ano, então sabia que, a não ser que eu me esforçasse para terminar o primeiro livro naquele momento, talvez nunca mais o terminasse. Fiz um esforço enorme, sobre-humano. Eu colocava Jessica em seu carrinho e a levava ao parque, para ver se ela se cansava. Quando ela caía no sono, eu aproveitava para correr para um café e escrever. Nem todos os estabelecimentos deixavam que eu. ficasse sentada ali por horas tomando só uma xícara de café... Mas meu cunhado tinha acabado de abrir seu próprio café — o Nicolson's —, e achei que ali me receberiam bem. Eu tinha o cuidado de ir lá quando o lugar não estava muito cheio, e o pessoal era muito legal. Eu brincava sobre o que aconteceria se um dia meus livros fossem publicados e vendessem bem... Ainda não linha certeza se seriam publicados um dia. Dessa forma, terminei meu primeiro livro no Nicolson's.
Datilografei o manuscrito em uma máquina de escrever comum. Eu tinha lido no Writer's and Artist's Year Book ("Armário dos Escritores e Artistas") que o tamanho ideal de um livro infantil era de 40 mil palavras — o meu tinha 90 mil! Para tentar disfarçar, datilografei com espaço simples (com as linhas bem juntas), mas não consegui enganar ninguém. Tive de refazer tudo com espaço duplo (com as linhas mais separadas). Eu usava os computadores da faculdade nos fins de semana, ou digitava com Jessica aos meus pés, tentando montar seus quebra-cabeças. E ficava morrendo de medo que as pessoas percebessem que eu não estava fazendo meus trabalhos de faculdade.
O primeiro agente para quem mandei o manuscrito o devolveu. A primeira editora para quem mandei o manuscrito o devolveu. Não desisti. O segundo agente, Christopher Little, o aceitou — a carta dele foi uma das melhores que já recebi. Ainda levou um ano para encontrar uma editora, mas quando a Bloomsbury aceitou o livro, foi, sem dúvida nenhuma, o segundo melhor momento da minha vida — o primeiro foi o nascimento de Jessica.
Um ano depois, em julho de 1997, o livro foi publicado — eu andei o dia inteiro com uma cópia dele debaixo do braço. Quando vi um exemplar na livraria, tive o desejo louco de autografá-lo. Foi um momento extraordinário. As duas. primeiras palavras que Jessica aprendeu a ler foram "Harry" e "Potter" e ela as gritava nas livrarias. Tenho certeza de que as pessoas pensavam que eu a estava forçando a fazer aquilo...

O que aconteceu depois que Harry Potter e a Pedra. Filosofal foi publicado?
A editora me deu muita força e disse que estava vendendo muito bem. Não causou grande sensação — uma boa crítica no The Scotsman, seguida por algumas outras —, mas parece que o que funcionou mesmo foi propaganda boca a boca. Então, minha editora americana, a Scholastic, comprou os direitos do primeiro livro por uma quantia muito maior do que o esperado. A explosão de publicidade me assustou. Eu estava trabalhando meio período como professora e tentando escrever Harry Potter e a Câmara Secreta. Congelei com toda a atenção.

O que a fez decidir ser uma escritora em tempo integral?
Não foi uma decisão fácil. Eu não sabia se aquilo era só fogo de palha. E tinha, de pensar em minha filha. Mas cheguei à conclusão de que poderia bancar a tarefa de escrever em tempo integral por dois anos, apesar de estar arriscando minha carreira como professora, porque eu não teria a experiência necessária para voltar a dar aulas como profissão. Quando ganhei o Prêmio Smarties, as vendas começaram a aumentar. Recebi meu primeiro cheque correspondente aos direitos autorais. Não esperava receber pelos meus direitos autorais — não pelo primeiro livro —, então foi um momento de muito orgulho. Mas não foi um começo maravilhoso, porque Harry Potter e a Câmara Secreta foi inacreditavelmente difícil de terminar. Eu estava preocupada, achava que não ia satisfazer as expectativas dos leitores — e alguém me disse que o segundo romance era sempre o mais difícil de escrever. No final, entreguei o manuscrito no prazo, mas o levei de volta e demorei seis semanas para me dar por satisfeita com ele.

Você recebeu muitas cartas de leitores?
Lembro-me da primeira carta que recebi de uma fã, de Francesca Gray. Começava assim: "Caro senhor..,". Cheguei a conhecê-la. O fluxo de correspondência já estava aumentando, mas, quando o livro começou a vender bem nos Estados Unidos, começaram a chover cartas. Percebi que eu estava me tornando minha própria secretária incompetente — Na verdade, quem não gostaria de ter um problema como esse? Mas estava na hora de contratar alguém para fazer tudo direito,

O que aconteceu quando Harry Potter e a Câmara Secreta foi publicado?
Foi quase direto para o topo da lista dos mais vendidos, o que achei incrível. Não se deve esquecer que essas coisas estavam me pegando de surpresa. Apesar de tudo ter acontecido muito rápido, eu estava orgulhosa do livro que tinha escrito.

E com Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban?
Eu ficava encantada com a ideia de crianças fazendo fila em livrarias para comprar meus livros. Porém existem outros lados desconcertantes de tanta publicidade — nunca imaginei ter minha foto publicada no jornal regularmente.
Mas as crianças estão lendo os livros o tempo todo, e agora sabemos que os adultos estão lendo também. E que gostam. É nisso que penso quando fico nervosa com o assédio.

O assédio diminuiu um pouco?
Não! Pensei que já tivesse chegado a um ponto de saturação, mas, quando anunciaram que os direitos do primeiro livro tinham sido comprados pela Warner Brothers para a produção de um filme, o interesse da imprensa aumentou.

Você está feliz com o fato de Harry Potter ter virado filme?
Agora estou. Recebemos muitas ofertas de estúdios, e eu disse não a todos — até para a Warner. Mas as ofertas voltaram a aparecer. Não sou contra a idéia de fazer filmes — adoro cinema. Mas para mim era vital que o filme fosse totalmente fiel ao livro, e tenho muita fé no compromisso da Warner com isso. Claro que algumas coisas não funcionam na tela, porem eu não queria que o enredo mudasse muito. A decisão de aceitar a proposta da Warner não aconteceu por causa de dinheiro ou de poder, mas porque acreditei neles. Eu já tinha visto as adaptações deles de O Jardim Secreto e A Princesinha, e achei que ficaram muito boas.
Eles me forneceram muito material, mandaram mapas e desenhos de Hogwarts para assegurar que, quando o castelo aparecesse no filme, ficasse bem parecido com o que eu tinha em mente. O essencial é que as personagens não fossem conduzidas de forma inapropriada. O quadribol é o que eu estava mais ansiosa para ver. Vi os jogos na minha cabeça por nove anos — e finalmente pude assistir a eles com todo mundo.

Seu editor da Scholastic fez muitas mudanças na edição americana?
Não muitas. Li em algum lugar que os livros tinham sido "traduzidos para o americano", mas isso não faz o menor sentido. Só foram mudadas palavras que tinham um sentido completamente diferente nos Estados Unidos. Um bom exemplo é jumper. Se a palavra tivesse sido deixada como na versão inglesa, os leitores americanos pensariam que Harry, Rony e Fred usavam vestidos sem mangas, então fiquei mais do que satisfeita em trocar a palavra por sweater [suéter], para evitar confusão. Mas todo o dialeto de Hagrid foi deixado intacto. As mudanças foram mínimas.
A única coisa de que não gostei foi quando o editor da versão americana mudou todos os mums ["mães", com som mais fechado no inglês britânico] para moms [o mesmo significado, mas com som mais aberto no inglês americano]; não fiquei feliz com aquilo — A senhora Weasley [mãe de Rony] não é uma mom. Então isso foi alterado, e as mums continuaram nos livros seguintes.

O que aconteceu quando você foi promover Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban nos Estados Unidos?
Na minha turnê anterior, o maior número de pessoas que comparecia aos eventos provavelmente não passava de cem. Minha segunda turnê começou em Boston e, quando estávamos chegando à livraria, vi uma enorme fila que dava a volta em dois quarteirões. Perguntei a Kris, da Scholastic, se estava havendo alguma liquidação e ela disse. que a fila era para mim. Foi uma experiência extraordinária. Eles me fizeram entrar pelos fundos rapidamente e me levaram para o andar superior, e, quando passei pela porta, começou uma gritaria e vários flashes disparavam ao mesmo tempo. Foi o mais perto que cheguei de ser uma popstar. Eu estava sem palavras, não sabia o que fazer com a minha cara. Queria parecer simpática, mas tenho a impressão de que pareci culpada e evasiva. Autografei 1.400 livros nesse dia.

Você gosta dessas turnês promocionais ?
O que mais gosto de fazer — além de escrever os livros — é conhecer os leitores. Responder às perguntas deles é puro prazer para mim. Esse mundo que eu tive em minha mente por tantos anos agora também existe na cabeça de outras pessoas! Amo isso! Existem leitores no mundo todo que ficaram íntimos de personagens que até três anos atrás só eu conhecia.

Seus livros já foram traduzidos para pelo menos 28 1ínguas. O que você acha dessas versões?
Acabei de receber cópias do primeiro Harry traduzido para o japonês — é lindo. Mas a versão com a qual fiquei mais impressionada foi a grega.
Às vezes encontro pequenas e estranhas aberrações. Na versão espanhola, o sapo de Neville [Longbottom] — que o menino vive perdendo — foi traduzido como "tartaruga, o que, com certeza, faz com que seja mais difícil de perder. E não há nenhuma menção de um local com água onde ela pudesse viver. Não quero pensar muito nisso... Na versão italiana, o Professor Dumbledore foi traduzido como "Professore Silencio", O tradutor viu o dumb (mudo) no nome e se baseou nisso. Na verdade, dumbledore é uma palavra do inglês arcaico para ''mamangava". Eu a escolhi por causa da imagem que tenho desse mago do bem, sempre andando e cantarolando para si mesmo, e eu adorava o som da palavra também. Para mim, "Silencio" é uma contradição total. Mas o livro é muito famoso na Itália — então obviamente isso não incomoda os italianos!

Você acha que vai terminar os sete livros sobre Harry Potter?
Com certeza, nem que seja só para mim mesma.

E o que vai fazer quando terminar o sétimo livro?
Terminá-los vai ser a coisa mais incrível. Vou ter passado bastante tempo com essas personagens na minha cabeça e será triste deixá-las. Mas sei que vou deixa-las em paz. Tenho certeza de que sempre vou escrever, pelo menos até perder a lucidez. Tenho muita sorte. Por causa do sucesso de Harry, não preciso fazer isso por razões financeiras, ninguém está me forçando. Simplesmente preciso fazer por mim. As vezes acho que tenho temperamento para ser uma escritora de um sucesso normal, com o foco da atenção nos livros, e não em mim. Ter os livros publicados já foi maravilhoso. A maior recompensa é o entusiasmo dos leitores.
Às vezes — e não quero parecer ingrata — eu trocaria de bom grado parte do dinheiro que ganhei por um pouco de tempo e paz para escrever. Essa tem sido minha maior luta, principalmente quando estava escrevendo o quarto livro. Fiquei famosa, mas não me sinto muito à vontade com isso. Por causa da fama, passei por várias situações difíceis, que exigiram uma grande disposição para ser vencidas. E também precisei conciliar a pressão de ter de promover cada livro com a pressão dos leitores — e a minha — para terminar o próximo. Já tive algumas "semanas negras", em que chegava a pensar se tudo aquilo valia mesmo a pena. Mas segui em frente, e o quarto livro saiu exatamente como eu queria.
Qualquer pessoa famosa tem problemas, e lidar com eles não é muito agradável. Mas sei que sou uma pessoa de muita sorte, que faz o que mais ama no mundo.

maio de 2000






OS LIVROS DE J.K. ROWLING
UMA ANÁLISE, POR LINDSEY FRASER


Trouxas, dementadores, quadribol, sicles, Salgueiro Lutador — se essas palavras parecem ser de outro planeta, então você tem de conhecer o mundo de Harry Potter, seus amigos, e seus inimigos.
Desde o lançamento de Harry Potter e a Pedra Filosofal, em 1997, o mundo que J.K. Rowling imaginou pela primeira vez em uma viagem de trem de Manchester para Londres se tornou familiar para milhões de pessoas em todo o mundo. O rápido e assombroso sucesso de seus livros não tem precedentes, atraindo os leitores para dois mundos paralelos — o mundo sem graça dos trouxas e o extraordinário mundo da magia.

Mas, afinal, quem é Harry Potter?
J.K. Rowling insiste em afirmar que haverá sete romances sobre a história de Harry Potter, e, com o lançamento de Harry Potter e o Cálice de Fogo, já passamos por metade de seus anos em Hogwarts. Ainda assim, não é mentira dizer que, com exceção da autora, ninguém realmente sabe quem é Harry Potter.
Mas conhecemos várias coisas sobre ele. Sabemos que é um órfão, que sobreviveu ao ataque do bruxo do mal Voldemort, que tentou matá-lo, e que até os 11 anos nem sonhava que era um bruxinho. Havia algumas indicações de que Harry não era um garoto comum. Seu cabelo, por exemplo, desafiava os cortes mais brutais e crescia de volta durante a noite, mas não o suficiente para encobrir a misteriosa cicatríz em forma de raio em sua testa. E houve aquela vez, durante uma visita ao zoológico, em que uma conversa com uma jibóia brasileira acabou resultando na fuga da serpente, que sibilou "Brasssssssssil, aqui vou eu. Obrigada, amigo". Mas ninguém ficou mais surpreso que o próprio Harry, que foi considerado culpado na mesma hora. De acordo com seu tio Válter, tudo o que não é normal é culpa de Harry, e Válter odeia tudo aquilo que não é completamente normal. A abertura do primeiro livro sobre Harry, Harry Potter e a Pedra filosofal, mostra essa aversão a tudo que não é perfeitamente explicável.

O Sr. e a Sra. Dursley, na Rua das Alfeneiros, na4, se orgulhavam de dizer que eram perfeitamente normais, muito bem, obrigado. Eram as últimas pessoas no mundo que se esperaria que se metessem em alguma coisa estranha ou misteriosa, porque simplesmente não compactuavam com esse tipo de bobeira.

Válter e Petúnia Dursley foram obrigados a cuidar do sobrinho depois de encontra-lo abandonado em sua porta, ainda bebê, acompanhado por uma carta que explicava as circunstâncias trágicas em que se encontrava. Eles ficaram horrorizados com a descoberta e puseram Harry para dormir no armário debaixo da escada, tratando o garoto de uma forma terrível, bem diferente da devoção cega que dispensavam a Duda, seu detestável filho. Em seus primeiros 11 anos de vida, Harry nem imaginava que era um garoto especial. Os tios diziam que seus pais tinham morrido em um acidente de carro. Eles não perdiam a chance de tornar sua vida um inferno e faziam de tudo para excluí-lo de atividades divertidas e das festas da família.
A verdade é que Válter e Petúnia morriam de medo de Harry. No fundo, sabiam que Harry devia ser poderoso, e isso os assustava. Mesmo antes de o garoto ir morar com eles, Válter e Petúnia tentavam desesperadamente não encarar a verdade sobre a família da Sra. Dursley. A reação do Sr. Dursley ao ouvir, escondido, uma conversa em que se falava dos Potters e de seu filho mostra que o problema não estava nada longe de sua mente.

O Sr. Dursley parou de repente. O medo invadiu-o. Virou a cabeça para olhar as pessoas que cochichavam como se quisesse dizer alguma coisa, mas pensou melhor. Atravessou a rua depressa, correu para o escritório, disse rispidamente à secretária que não o incomodasse, agarrou o telefone e quase terminara de discar o número de casa quando mudou de idéia. Pôs o fone no gancho e alisou os bigodes, pensando... não, estava agindo como um idiota. Potter não era um nome tão fora do comum. Tinha certeza que havia muita gente chamada Potter com um filho chamado Harry.

Quando Harry passou a morar com eles, a necessidade de disfarçar a verdade aumentou. Mas dia após dia eles sabem que vai chegar a hora em que Harry descobrirá sua verdadeira identidade — ou pelo menos algumas pistas que levem a ela. Apesar de ser quase impossível não desprezar os Dursleys, é importante lembrar como eles viviam assustados. Tanto que jamais conseguiram discutir a situação a sério entre eles. É como se mencionar os pais de Harry ou seu passado, ou o que e quem ele é, os levasse a pensar o impensável. Harry é seu pior pesadelo — a prova viva de um terrível segredo de família, E ele está morando ali, na casa deles.
Ao compararmos esse cenário com o tipo de menino que Harry é, podemos constatar que os Dursleys são pessoas muito tristes. Ironicamente a estupidez e a crueldade da família impediram que eles — que tanto prezam a normalidade — levassem uma vida normal. É verdade, eles têm paixão por Duda, mas só para mantê-lo calado e satisfeito — o que nunca dura muito. Harry, como descobrimos depois, também não é um anjo. Como qualquer garoto, pode se mostrar mal-educado e desobediente, mas é muito divertido, e os Dursleys acabam perdendo totalmente essa parte de sua personalidade.
Harry, por sua vez, começa a esperar que eles o maltratem. Só depois de seu primeiro ano na Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, em que fez bons amigos e gostou de ser parte daquele grupo, é que ele percebe como sua vida com os Dursleys era terrível      Suas primeiras férias de verão de volta à rua dos Alfeneiros devem ter sido horrorosas, agora que ele sabia como a vida podia ser gostosa e excitante — Ele não tinha idéia de que sua correspondência estava sendo interceptada pelos tios e, assim, pensou que seus novos amigos tivessem se esquecido dele. Saber o que estava perdendo com certeza deixou sua vida ainda pior.

Sentia tanta falta de Hogwarts que era como se tivesse uma dor de barriga permanente.
É claro que os Dursleys não são os únicos que têm medo de Harry e seus poderes. Ainda não sabemos exatamente como Harry sobreviveu ao ataque que. matou seus pais, mas ele escapou, ainda que marcado com uma cicatríz em forma de raio em sua testa. O assassino se enfraqueceu e ficou com ódio — uma combinação para o pior tipo de inimigo que se pode ter. Até Alvo Dumbledore, o mais sábio dos bruxos, não consegue entender direito. Quando a professora McGonagall pergunta a ele sobre a morte dos pais de Harry, Lílian e Tiago, ele não sabe que explicação dar.

Estão dizendo que ele [Voldemort] tentou matar o filho dos Potter, Harry. Mas... não conseguiu. Não conseguiu matar o garotinho. Ninguém sabe o porquê nem o como, mas estão dizendo que na hora que não pôde matar Harry Potter, por alguma razão, o poder de Voldemort desapareceu, e é por isso que ele foi embora.
Dumbledore concordou com a cabeça, sério.
— É... é verdade? — gaguejou a professora —Depois de tudo o que ele fez... todas as pessoas que matou... não conseguiu matar um garotinho? É simplesmente espantoso... de tudo que poderia detê-lo... mas, por Deus, como foi que Harry sobreviveu?
— Só podemos imaginar — disse Dumbledore — Talvez nunca cheguemos a saber.

A história de Harry é muito triste. Ele perdeu os pais e é completamente desprezado por seus parentes. Nunca experimentou muita bondade em seus primeiros 11 anos de vida. No entanto, é famoso. Harry pode ser um menino qualquer no mundo dos trouxas, mas é uma celebridade no mundo em que nasceu — o mundo mágico que existe paralelamente ao mundo dos trouxas. Naquele mundo ele é Harry Potter — '"o menino que sobreviveu!".

Momentos mais sombrios
Quando J.K. Rowling pensou nas histórias de Harry Potter pela primeira vez, não achou de saída que eram livros infantis. Talvez por isso não tenha feito esforço algum para simplificá—los. As complicações, reviravoltas, acontecimentos engraçados, perigos e os extraordinários efeitos especiais da história só a deixam ainda mais empolgante. A autora sabia desde o começo que seria divertido escrever os livros e lê-los também, mesmo durante as passagens mais sombrias e assustadoras. Quem poderá se esquecer do primeiro encontro de Harry com os dementadores em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban?

Seu rosto estava completamente oculto por um capuz. Harry baixou os olhos depressa, e o que ele viu provocou uma contração em seu estômago. Havia uma mão saindo da capa e ela brilhava, um brilho cinzento, de aparência viscosa e coberta de feridas, como uma coisa morta que se decompusera na água...

No decorrer do livro ele descobre por que sua reação diante daquela cena terrível é tão mais forte do que para qualquer outra pessoa.
E quanto aos momentos de tensão que Harry vive enquanto espera pela decisão do Chapéu Seletor, um chapéu pontudo de bruxo "remendado, esfiapado e sujíssimo"? Como qualquer outro primeiranista de Hogwarts, Harry tem de colocar o Chapéu para descobrir em qual das Casas vai ficar: Grifinória, Lufa-Lufa, Corvinal ou a temida Sonserina.

Difícil, muito difícil. Bastante coragem, vejo. Uma mente nada má. Há talento, ah, minha nossa, uma sede razoável de se provar, ora isso é interessante... Então, onde vou colocá-lo?

Para a sorte de Harry, o Chapéu Seletor se decide por Grifinória, mas por um momento ele ficou indeciso e Harry nunca se esquece de como quase foi para Sonserina. Com certeza, há algo em Harry que o conecta com o lado negro da magia. Isso fica evidente também quando ele finalmente consegue encontrar a varinha perfeita, uma "combinação incomum, azevinho e pena de fênix, vinte e oito centímetros, boa e maleável". O vendedor, um cavalheiro de dar calafrios, chama a atenção de Harry para uma coincidência arrepiante.

Lembro-me de cada varinha que vendi, Sr. Potter. De cada uma. Acontece que a fênix cuja pena está na sua varinha, produziu mais uma pena, apenas mais uma. É muito curioso que o senhor tenha sido destinado para esta varinha porque a irmã dela, ora, a irmã dela produziu a sua cicatriz.

Mas é em Harry Potter e o Cálice de Fogo que o significado dessa observação fica terrivelmente em evidencia, durante a passagem em que Harry se vê cara a cara com seu nêmesis, "mais branco que um crânio, com olhos grandes e vermelhos, um nariz chato como das cobras e fendas no lugar de narinas..".

Os amigos de Harry e outras personagens
A amizade entre Harry, Rony e Hermione é muito importante nos livros de Harry Potter. No começo os dois meninos não são muito generosos com Hermione, pois a achavam mandona e animada demais com a vida acadêmica em Hogwarts. Mais tarde, no entanto, acabam percebendo que ela é digna de ser incluída em suas aventuras, não apenas porque a garota é corajosa, mas também porque é muito inteligente. Os três podem ter poderes mágicos, mas sua amizade não é diferente de qualquer outra amizade entre jovens. Eles brigam e se provocam, porém o importante é que sabem que podem contar uns com os outros. Depois de uma aula em que aprenderam a confrontar seus maiores medos fazendo com que um bicho-papão tome sua forma — e rindo dele depois —, Hermione declarou sua aprovação pelo professor e pela matéria.

Mas eu gostaria de ter podido enfrentar o bicho—papão...
— O que ele teria sido para você? — perguntou Rony dando risadinhas — Um dever de casa que só mereceu nota nove em vez de dez?

Os professores de Hogwarts são pessoas fascinantes. Sabem que Harry Potter é especial, mas reagem de maneiras diferentes. Alvo Dumbledore e a professora Minerva McGonagall, respectivamente o diretor e vice-diretora de Hogwarts, fazem o que podem para tratá-lo de modo justo, às vezes até poupando-o de castigos por acreditarem que ele age com a melhor das intenções, ou senão sabiamente. Snape, por outro lado, abomina Harry e faz o que pode para deixá-lo em maus lençóis e acabar com sua popularidade. As vezes é difícil dizer qual é a verdadeira opinião de alguns professores sobre esse bruxinho extraordinário que vive entre eles. O professor Lupin, que dá aulas de Defesa contra as Artes das Trevas, surge como uma personagem misteriosa, dormindo tranquilamente no Expresso de Hogwarts. Não há dicas de que ele será uma influência boa ou ruim na vida de Harry e de seus amigos. No decorrer da história, a autora começa a jogar alguma luz sobre sua vida, e ficamos sabendo que ele não é nada honesto e que tem suas próprias batalhas para lutar. O grande e desgrenhado Hagrid, expulso de Hogwarts na juventude por ter feito mau uso da magia, é um importante aliado de Harry. Ele pode não ser o mais inteligente dos amigos, mas é tremendamente leal, em retribuição à lealdade que Harry, Rony e Hermione demonstram ter com ele, mesmo quando diante da evidência de sua culpa. Hagrid também é uma ótima fonte de situações engraçadas. Além de sua afeição por bichinhos de estimação estranhos e de sua grande tolerância aos efeitos do álcool — o que Hermione sinceramente desaprova, ele tem um dialeto próprio — E este fica ainda mais característico quando está agitado, como quando descobre que os Dursley nunca tinham contado a Harry a respeito de seus pais e de como eles morreram. Ele percebe que vai ter de contar a verdade ao filho deles sem a ajuda de ninguém,

Começa, eu acho, com... com uma pessoa chamada, mas é incrível você não saber o nome dele, todo o mundo no nosso mundo sabe...
— Quem?
— Bom, não gosto de dizer o nome dele se puder evitar. Ninguém gosta.
— Por que não?
— Gárgulas vorazes, Harry, as pessoas ainda estão apavoradas. Droga, como é difícil. Olha, havia um bruxo que virou... mau. Tão mau quanto alguém pode virar. Pior. Pior do que o pior. O nome dele era...

E também há Dobby, o elfo doméstico que não se cansa de se repreender e que tenta de tudo para dissuadir Harry a voltar para Hogwarts no começo do segundo ano. Ele sempre se refere a si mesmo na terceira pessoa e só chama Harry por seu nome completo.

Ah, meu senhor — exclamou, secando o rosto com a ponta da fronha suja que usava.
Harry Potter é valente e audacioso! Já enfrentou tantos perigos! Mas Dobby veio proteger Harry Potter, alertá-lo, mesmo que de tenha que prender as orelhas na porta do forno depois... Harry Potter não deve voltar a Hogwarts.

A quantidade de personagens criadas por J.K. Rowling é impressionante, e o sucesso dos Livros mostra que as crianças podem se divertir, e o fazem, com enredos mais complexos, contanto que eles as façam ficar grudadas na história. Elas adoram um desafio. Bloomsbury, a editora dos livros de Harry Potter no Reino Unido, produziu edições especiais dos livros para adultos quando percebeu que eles eram lidos pelos pais dos jovens leitores, interessados em saber o porquê de tanto estardalhaço. Talvez surpresos por acharem um "livro infantil" tão envolvente, o recomendaram a amigos. Mas não há nada de diferente na historia, só no design do livro, na imagem da capa e no texto da quarta capa.

Jogos e livros mágicos
Talvez porque J.K. Rowling odiasse tanto o hóquei na escola é que inventou o divertido quadribol, que tem tido papel fundamental em todos os livros de Harry Potter até agora, Harry está longe de ser o herói esportista — ele é baixinho e usa óculos —, mas seu raciocínio rápido e sua agilidade, combinados com os poderes mágicos de sua vassoura, fazem dele a arma secreta da Grifinória na busca sem fim por pontos para a Casa. Cada partida de quadribol tem um elemento adicional — outros tipos de contas a acertar —, tanto que no final há sempre mais como prêmio do que o resultado do jogo. A paixão de J.K. Rowling por livros e pela leitura também fica evidente na série de títulos fascinantes que aparecem em suas obras, Hagrid manda para Harry um livro que morde e que só pode ser controlado quando é amarrado com um cinto. O diário mágico de Tom Riddle tem um papel decisivo no mistério que envolve Harry Potter e a Câmara Secreta. Na lista de material dos primeiranistas de Hogwarts constam livros intrigantes como A Vida e Hábitos Sociais dos Trouxas Britânicos, de Ernesto McMillan, e Elixires e Poções Mágicas, de Arsênio Jigger. E é claro que há também Gilderoy Lockhart, um marqueteiro descarado e autor dos Best-sellers Como Dominar um Espírito Agourento e Viagens com Trasgos, entre outros, sem esquecer sua autobiografia, intitulada O Meu Eu Mágico. Só quando Harry e Rony revelam sua incompetência é que se descobre a verdadeira autoria dos livros.

— Então o senhor só está recebendo crédito pelo que outros bruxos e bruxas fizeram? — perguntou Harry, incrédulo,
— Harry, Harry — disse Lockhart, sacudindo a cabeça com impaciência — A coisa não é tão simples assim. Há muito trabalho envolvido. Eu tive que procurar essas pessoas. Perguntar exatamente como conseguiram fazer o que fizeram, Depois tive que lançar um Feitiço da Memória para elas esquecerem o que fizeram. Se há uma coisa de que me orgulho é do meu Feitiço da Memória...

Momentos depois, ele consegue desarmar Lockhart antes que este jogue um de seus Feitiços da Memória, usando rapidamente um feitiço ensinado por Snape, Lockhart desaba no chão, sua reputação em ruínas.

Leitores ansiosos
J.K. Rowling carrega a pesada responsabilidade de manter seus leitores abastecidos regularmente com mais aventuras de Harry Potter. Vale lembrar que, apesar de seu feito literário, o desafio que colocou para si mesma para o futuro é ainda mais assustador, por causa dos padrões que ela estabeleceu nos primeiros livros. Para o leitor, é difícil esperar pacientemente pelo próximo livro de uma série tão atraente, mas, se temos de esperar, sempre podemos reler os primeiros livros, já que há muito lá com que se divertir. Quando J.K. Rowling compareceu ao Festival Internacional do Livro de Edimburgo, em 1999, muitos dos livros que ela foi convidada a autografar já estavam velhos de tantas releituras. As perguntas da platéia demonstraram um conhecimento surpreendente da obra. Os leitores submeteram J.K. a um meticuloso interrogatório — o que ela obviamente adora.
Mas como diz o pomposo Lockhart, com menos razão que sua criadora:

"Não se trata apenas de sessões de autógrafos e fotos de publicidade, você sabe. Se você quer ser famoso, é melhor se preparar para muito trabalho".


Lindsey Fraser maio de 2000





Bibliografia
Em ordem cronológica


Harry Potter e a Pedra Filosofal
Bloomsbury, 1997
Harry Potter pensa que é um garoto comum — até ser resgatado por um homem gigante com olhos parecidos com besouros, ingressa na Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, aprende a jogar quadribol e luta um duelo mortal. Por que? HARRY POTTER É UM BRUXO!
Vencedor do Prêmio Smarties de Ouro 1997; Livro Infantil do Ano do British Book Awards 1998; Prêmio de Livro Infantil da FCBG 1998; Prêmio de Livro Brochura do Ano do Daily Telegraph 1998; Prêmio do Livro Infantil do Cubo de Birmingham; Prêmio do Livro Infantil de Sheffíeld; Autora do Ano da Associação dos Livreiros 1998; Prêmio do Livro dos Livreiros Americanos 1999: Prêmio do Livro Infantil para o "Júri de Jovens Leitores" 1999; Kinderbockwinkel-prijs 1999 em Viena; Permio Cento per la Letteratura Infantile 1998; Prêmio Anne Spencer Libergh cm Literatura infantil 1997-1998; Prix Sorcière 1999; Prix Tam-Tam "Je bouquine" 1999; Melhor Livro do Ano da Revista da Biblioteca Escolar; Livro Notável e Melhor Livro para jovens Adultos da Associação Americana de Bibliotecas 1998; Melhor Livro do Ano do Publishers Weekly; Melhor Livro do Ano da Biblioteca Pública de Nova York; Prêmio de Livro do Ano da Parenting Magazine 1998: Livro Notável do Smithsonian Institute; Escolha dos Livros das Fronteiras para 1999: Escolha, dos Editores de Livros 1998: indicado para a Medalha de Carncgjc (recomendado) 1998; Prêmio de Ficção do Guardian 1998; e o Deutscher Jugendliteraturpreis 1999.

Harry Potter e a Câmara. Secreta
Bloomsbury, 1998
O bruxinho Harry Potter está em seu segundo ano em Hogwarts. Mal sabe ele que o ano será tão agitado quanto o anterior...
Vencedor do Prêmio Smarties de Ouro 1998; Livro Infantil do Ano do Prêmio do Livro Inglês 1999; Prêmio de livro Infantil da FCBG 1999, Livro infantil do Conselho Escocês de Artes 1999; Prêmio Literário do Nordeste; Prêmio Literário do Nordeste de Escócia; Livro Notável e Melhor Livro para Jovens Adultos da Associação Americana das Bibliotecas 1999; Escolha dos Editores de Livros 1999; Melhor Livro do Ano da Revista da Biblioteca Escolar 1999; indicado para o Prêmio Whitbread de Livro Infantil do Ano 1999; Prêmio do Livro Infantil de Sheffield; Prêmio de Ficção do Guardian 1999.

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Bloomsbury, 1999
Harry Potter, com seus melhores amigos, Rony e Hermione, está para começar seu terceiro ano em Hogwarts. Ele mal pode esperar para voltar para a escola depois das férias de verão (quem poderia se vivesse com os terríveis Dursleys?). Mas ao chegar a Hogwarts o clima é de tensão. Um assassino está à solta e os sinistros guardas da prisão de Azkaban foram chamados para vigiar a escola.
Vencedor do Prêmio Whitbread de Livro Infantil do Ano 2000; Autora Infantil do Ano do Prêmio do Livro Inglês 2000; Prêmio Smarties de Ouro 1999; Livro Notável e Melhor Livro pura Jovens Adultos da Associação Americana de Bibliotecas 2000; Melhor Livro cio Los Angeles Times 1999; Escolha dos Editores de Livros 2000; indicado para a Medalha Carnegie.

Harry Potter e o Cálice de Fogo
Bloomsbury, 2000
A Copa do Mundo de quadribol é a melhor novidade das férias de verão de Harry, antes que ele retorne para seu quarto ano em Hogwarts. Seu nome é sorteado do Cálice de Fogo para que ele represente Hogwarts no Torneio Tribruxo, em que irá competir com representantes de outras escolas de magia. Mesmo nervoso, Harry descobre que o torneio será a menor de suas preocupações.
Vencedor do Prêmio Peter Blue 2000; Prêmio de Livro Infantil da FCBG; Livro Infantil do Conselho Escocês de Artes 2001; Livro do Ano do Prêmio W.Il. Smith 2000.

Animais Fantásticos e Onde Habitam
de Newt Salamander

Quadribol Através dos Séculos
de Kennilworthy Whisp, ambos da Bloomsbury, 2001



J.K. Rowling tem dito que pode vir a escrever alguns livros complementares para a série Harry Potter, e esses dois volumes hilários — livros de escola de mentirinha — mostram como um livro didático deveria ser divertido. Todos os envolvidos no projeto — J.K. Rowling, a editora, seu agente e seu editor, os distribuidores e livreiros, entre muitos outros — não cobraram nada pelo trabalho. Toda a renda arrecadada com a venda desses dois livros é revertida para os projetos internacionais da Comic Relief, e também para aqueles de ajuda a jovens em países mais pobres.



www.comicrtlief.com/harrysbooks



Supervisão editorial
Marcelo Duarte
Assistente editorial Daniela Padilha
Projeto Gráfico Kiki Millan
Capa
Luciana Steckel
Ilustrador de capa Carlo Giovani Ribas Rossato
Fotografia de capa
Marcelo Zocchio
Tradução
Ana Paula Corradini
Preparação
Maria Ocilia Caropreso
Revisão de texto
Ana Maria Barbosa Gislene P. R. de Oliveira





Lindsey Fraser

Lindsey Fraser é uma consultora literária que mora em Edimburgo, na Escócia. Além de escrever críticas sobre livros para jovens, ela promove cursos de treinamento para professores e bibliotecários e adora trabalhar com crianças, com o objetivo de mostrar—lhes o mundo maravilhoso da leitura. Lindsey editou e colaborou em três antologias de contos para crianças e adolescentes.